Muitos sonhos não se concretizaram mesmo, nem seus pendores por Ivete, que almoçava uma maça verde para não perder a forma, não engordar um quilinho só. Ou a paixão de Arlete, que cansada de tudo, resolvera lhe tentar, e que, também, fora abandonada pela vida e pela sorte. Marieta, traída pelo marido , deu um "flagra" e uma surra , nos dois pombinhos, com um guarda- chuva, que ficou aos pedaços. Dai para frente dormiam em quartos separados e ele, o traidor, não saia de casa , pois adorava as duas filhas! Dizia amar a mulher, mas ela não acreditava mais.
Queria se vingar do marido e, aos domingos , quando da visita do amigo, ela fazia de tudo para lhe agradar . Preparava feijoadas, rabadas com batatas e agrião, galinha ao molho pardo. Comidas bem nordestinas para ele, que fingia não entender nada. Um dia, não agüentando mais, ela contou sua estória e se declarou, agarrando-o na sala. Ai nunca mais ele foi lá. Afinal ela era ainda, mulher de um amigo e não era afeito a traições. E as palavras de Chico Asa Baixa que, tambem não lhe saiam da cabeça? “O homem não pode mesmo viver sem amor”, podia ate passar sem o pão, sem o teto, mas sem amor, não!
Nesses últimos anos de solidão já não acreditava em mais nada. Tinha se perdido nas ruelas da Lapa. Mestre Louza estava mais famoso. Agora, lançava novos livros e era o homem especialista em crimes e bandidos famosos. Casara de novo, desta feita com moça rica, herdeira de cafezais no Espírito Santo.
Mestre Assis debandara para os lados de Itaboraí, onde comprou um sitio e passava os fins de semana falando , bebendo, respirando literatura, criando personagens e seus livros iam de “vento em popa”! João Divino morava pras bandas de Niterói, era professor universitário, e sonhava com átomos e partículas “PI”. Quem sabe não iria aos “States” fazer um doutorado? Esse era o sonho, mesmo que tivesse que trocar a “doce amada”, por ele, como o fez no passado, trocando o jornalismo pela física.
Só ele, solitário, maltrapilho adotara os mendigos da Lapa como seus irmãos. Em meio a tantas lembranças, pensamentos que não saiam da cabeça, lembrou: qual seria o significado de sua visão? As crianças, as rosas, os balões subindo ao céu? E sua foto na primeira página dos jornais?
Não podia esquecer o dia em que a policia invadiu a Casa e que só se ouvia o barulho de livros caindo pela lixeira abaixo, do quarto andar ao térreo. Na manhã seguinte, passado o sufoco daquele “dia de cão”, de guerra, pilhas de livros inutilizados no lixo: “Conceito Marxista do Homem”, “Meu amigo Che” e tantas outras obras com tendência de esquerda ou não, que eram proibidas pelos milicos.
É verdade: os milicos só não perseguiam mendigos como ele. Quem daria ouvidos aquela ralé da qual fazia parte? Mas nunca esqueceu o sonho e ser jornalista ou escritor... Dava pra sentir que a dor , a solidão, fome, miséria, o fizeram assim, fosse “peia de caboclo ou não”, como queria Teixeirinha.
Ouvira falar de muitos homens formados em faculdade, que deixaram tudo e “viraram mendigos”... João Divino uma vez, de porre, expressou esse desejo, num momento de depressão. Só que o destino lhe sorriu melhor. Mandou buscar os pais para morar com ele e matou a solidão nos braços da mulher amada. Vieram os filhos, novos sonhos e João Divino mudou!
Pra que lembrar dessas coisas que só traziam dor? No “dantesco” quadro da Lapa moribunda, não havia lugar para sonhadores ou esperança. Melhor procurar a pensão da Tia, (Zia) lembrar do Mestre Louza, Mestre Assis, Mestre Alcides, João Divino, Alemão, e, sonhar com os dois pratos de sopa de “entulho”..., que o dinheiro agora, só daria pra pagar um. Depois um belo prato de “pasta”, ao molho de tomate.
É... a sopa de “entulho”, que tinha de tudo um pouco, era parecida com o “Arroz de Jaçanã”, que Mestre Assis ensinava a fazer: matava a fome mesmo! Só receava uma coisa:
-Será que Chico Asa Baixa não estaria lá, com sua corja, com o velho casaco sujo, surrado, com um lado arrastando no chão?
Que nada, pensou! Desse medo poderia esquecer! Chico Asa Baixa estava morto, bem morto mesmo! A lixeira tinha sido seu sepulcro. As labaredas queimaram o corpo, caixão. Mas não havia nenhuma lápide dizendo: Aqui jaz Chico Asa Baixa!
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