Paulista esperava a sobra dos restaurantes e não tinha o seu problema. Para ela, "uma vida boa", para ele, não! Não se preocupava com a comida. Qualquer “lavagem” era banquete, comida de luxo...
Não queria acreditar mesmo nesse troço de azar. Não acreditava. Nunca seguiria o conselho de Teixeirinha, nunca!
Teixerinha, velho malandro , que nem estudante era e morava na casa, na "sombra" . Teixerinha, metido a poeta, escritor , cantor, com o violão na cacunda. Boa gente, figuraça mesmo, cheio de estórias das banda do Piauí e com um sonho na cabeça: tornar-se igual a Djavan , que andava pela Casa , antes da fama, dedilhando o violão.
Foi Teixerinha que sugeriu a ele freqüentar uma sessão de "macumba", para uma "limpeza espiritual." Não acreditava em feitiçaria, não acreditava em espíritos de pretos, índios, exus. Para ele era tudo igual. Teixeirinha concordava, morrendo de rir , tentando lhe fazer medo. Dizia que numa certa sessão lá na sua terra, baixou um tal de "caboclo mamador”! E o safado do pai de santo se aproveitou...se dera bem naquele dia. Dizia que nas macumbas de lá, o pai de santo cantava:
- Fui buscar bicho no mato e encontrei um veadinho. E as filhas de santo repetiam: “leva eu painho, leva eu painho!”
E, que Teixeirinha, para desmoralizar ainda mais a "macumba", dizia que elas cantavam:
-Come eu painho, come eu painho!
Pura sem-vergonhice. Não acreditava naqueles “espíritos”, por que lhe faltava um conhecimento mais profundo sobre o assunto. Na juventude fora kardecista e absorvera todo ranço e preconceito que os seguidores de Alan Kardec, nutrem pelos cultos afros-brasileiros, da mesma forma que os católicos diziam que “o Espiritismo e era uma fábrica de loucos”.
Nunca ouvira falar nada sobre Umbanda. O que seria a Umbanda? Haveria diferença entre Umbanda e macumba? O que seria Orixá? Existiram mesmo espiritos iluminados que vinham a terra na forma de Pai, Mãe, Pretos, Indios, Indús. Tinha vontade de pesquisar sobre esse tema para ter pensamento próprio, que não fosse o eco do preconceito religioso kardecista, dos católicos apostólicos romanos ou dos protestantes, que viam demonios em tudo e a tudo queriam queimar ou amarrar!
Não negava: tinha certa atração por esse mistério. Uma inquietude sobre o tema, pois nunca esquecera a predição de uma paranormal de sua terra, D. Maria Grande, que lhe disse antes dele viajar para o Rio:
- Meu filho não vá pra Macumba não! Não vá!
O que ela, a vidente, que aconselhava sua tia, teria visto? Uma coisa não negava: toda sexta-feira ia com o Alemão, para o aterro do Flamengo, beber cachaça dos despachos, fumar charuto do bom, e ainda levava de sobra, carteiras e carteiras de cigarros, deixados pelos devotos e seguidores da macumba, para as Pomba-Giras e outros Orixás. Copos, centena de copos, e restos de velas de todas as cores. Eles recolhiam tudo, na manha seguinte, espalhados na areia da praia pelo mar.
Alemão, um tipo inesquecível, também: Bigodinho “a Hitler”, e um livro surrado, na mão: “Mein Kampf “(Minha Vida), a bíblia de Adolfo Hitler. Ele, o “nazista” mais humanitário que conheceu. Na verdade, de nazista não tinha nada! Alemão era amigo leal, solidário, prestativo. Preguiçoso sim! Achava que “filósofo” não precisava trabalhar. Era o morador mais velho na idade e (antigo) da Casa.
Alemão era culto, poliglota, versado em Latim, doido por um cafezinho ou por uma “beer”. Fã de chope gelado , chucrutes , polenta e ardente torcedor do Mengo! O papa-goiaba mais amável que conheceu naqueles anos de dor e sofrimentos. Ele, mendigo em estado de alma, desapegado dos bens materiais. Dizia-se ateu, mas sempre teve dúvidas sobre isso...
Com ele conheceu a Lapa, os inferninhos da Avenida Rio Branco, os cabarés da Praça Mauá...e a velha Zona! E na sexta-feira era coisa certa: beber cachaça nos despachos do Aterro do Flamengo. Foi ele que o apresentou Chico Asa Baixa. Chico Asa Baixa que matou, mas ninguém acreditava!
Teixeirinha dizia que todo aquele sofrimento dele era “peia de caboclo”, feitiço, pois estavam acostumamos a profanar a crença dos outros. Seria “peia de santo” mesmo? Só sabia que as coisas não andavam bem pra ele, consumido dia e noite por aquela idéia fixa: Chico Asa Baixa morreu, eu o matei.
O negócio agora era esperar a noite que logo chegaria. “À noite onde todos os gatos são pardos”, como dizia sua mãe.. Dessas lembranças uma fixou na memória. A coisa mais linda que os olhos já viram:
-A visão noturna do Aterro do Flamengo, nas sextas-feiras!
Atravessava a Praça Paris, correndo entre os carros, só para ver ,em toda área do aterro, milhares de velas acesas, queimando, cintilando, como um céu estrelado no chão!
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