sexta-feira, 7 de maio de 2010

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Lembrou que os anos sessenta, que o colocaram naquela nova vida, se é que podiam ser chamados assim, terminam cheios de solidão. Muitos sonhos tinham sido sepultados na velha Lapa. O jornal que ajudara a criar, logo no inicio da década de 70, terminou. Mestre Louza lutava em Brasília para conseguir recursos e não conseguia. Segundo ele, em carta ao velho amigo. “o ano setenta não tinha sido nada fácil mesmo!”

A nova década se iniciava com conflitos políticos mais intensos, perseguições e mortes. Não havia liberdade no País, muito menos na velha Lapa. Quem “mijava fora do caco”, quem pensava livremente, era jogado no alto mar ou preso em masmorras fétidas do Dops. “Fixado como comunista” e uma vida em desassossego, sem prestígio, sem nada, sem vontade própria ou direito de viver livremente. Viu um estudante ser morto, numa passeata, em dia de tumultos, bombas de efeito moral, gás lacrimogêneo e tiros de metralhadora. O Rio era praça de guerra, o restaurante do Calabouço estava fechado e o prédio do MEC, o alvo de piquetes.

A cavalaria marchava pela Avenida Rio Branco, rumo a Cinelândia, e os soldados de sabre em punho e cassetetes na mão, não poupavam ninguém. Ele mesmo escapou de morrer, porque um amigo o puxou para trás de uma mureta, em frente ao prédio da Assembléia. Mas o óculo de grau caiu no chão e foi pisado pelos cavalos. A nuvem de gás lacrimogêneo ardia nos olhos como fogo. Não dava pra ver nada no fumaceiro. O jeito, banhar os olhos com água ou umedecê-los com um pano molhado.

Naquele dia houve muitas baixas. Os corpos eram jogados em rabecões como gado ferido e havia mortos, também. Muito jornalista ficou ferido com estilhaços de bombas. No saguão da Assembléia o corpo do mártir foi velado e pranteado como herói. Não esquecia aquele filete de sangue descendo da ferida, no peito esquerdo, em cima do coração, e o olhar perdido, como se lembrasse , ainda, da ultima visão. Lembrava a foto de Che também assassinado.

O que lhe restava, senão as ruas com seu calor, mesmo que fizesse frio e a fome lhe cortasse as entranhas? Droga lhe ofereceram, mas nunca quis! A velha cachaça companheira da juventude, acalentadora de sonhos pueris, sim! Santa água-ardente que bebia de graça no Aterro do Flamengo, nos “despachos” da sexta-feira, e que fizera estoque na Casa, para os dias frios de inverno. Elixir da vida que juntava mendigos como ele, iguais a ele, em rodas amenas de sonhos sem fim. Como cobras, dormiam uns sobre os outros, para não morrer de frio.

Sentia-se amordaçado, sem voz, com medo de ser preso, caso desagradasse os “milicos”, um termo bastante usado por mestre Louza, naqueles anos de sonhos e ilusões. Uma coisa mestre Louza conseguira: a fundação do Sindicato dos Escritores, e só! Em Brasília a família o estrangulava lhe sugava tudo como mata-borrão. Da Asa Sul foi morar em Taguatinga e, em seguida, não suportando mais a dor, largou tudo e veio para São Paulo.

Lembrava de Mestre Louza, que deixara tudo mesmo, ate um jornal de grande circulação na cidade, parta lutar por um ideal. Sem dinheiro no bolso, mas sem largar a pose de jornalista e escritor renomado, seguia em frente. Cabelo em linha , às custas da velha “brilhantina”, paletó engomado. Almoçava nos melhores restaurantes da Lapa, pagando o que não podia e, que mais tarde ia lhe faltar, quando o dinheiro acabasse.

Ai o jeito mesmo, seria recorrer à pensão da Tia (Zia), italiana gorda, com um “rabo enorme”, mas com uma “mão de fada”, na cozinha. Sua “pasta” com molho de tomate, ou um espaguete com carne moída, custava quase nada. Assim, ele e Mestre Louza, já sem a brilhantina no cabelo, esperavam Mestre Assis, debaixo da Rua dos Arcos, ao meio dia. Iam todos filar a bóia na pensão da Tia, que ficava numa ruela sem saída,pro lado do morro, no alto de uma escada de madeira, sem fim.

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