sexta-feira, 7 de maio de 2010

2

Regresso a Lapa e logo vejo Paulista. Quando me vê finge elegância: mãos no cabelo, na cintura, a bunda rebolando, rebolando, com os molambos. Paulista faz isto para me agradar. Sabe que não é bonita. O corpo não passa de uma recordação, lembrada de vez em quando, pelas feridas que carregava sob os seios inchados.

-Neném, tantim assim. Tantim assim, neném... Com esse gesto, feito com os dedos indicador e polegar, ela pedia que mostrássemos o pênis, apontado para a braguilha.

Tentava com a mímica explicar, o que queria.E o que pedia, que era pouco para matar seu desejo, excitação. Fazia o mesmo gesto apontando para a boca: queria uma dose de cana, que comprávamos no Bar Congresso. Na confusão mental em que vivia, uma dose de alívio, para o sofrimento sem fim! Pegou uma nota de cem e colocou na sua mão.

-Brigado neném, brigado! Tão graçadinho... Graçadinho!

A língua embolada esboça a gratidão, ou tentativa de agradecimento, coisa que poucos entendem. Paulista segue cabisbaixa desligada do mundo rumo ao boteco, rumo à vida. E Chico Asa Baixa? O corpo transformando-se em lama, sumindo sob meus olhos. O medo ainda o perturba, olha ao redor, só ruína, destruição.

Ergueu os olhos e viu que cabo Jonas se aproximava. Camisa nova! De quem teria tomado? De quem? Cabo Jonas, sorriso nos lábios, como sempre. Tentava esquecer a guerra que ganhou ou perdeu, ao mesmo tempo. Onde conseguira tantas rosas? Onde? Chegou falando alto, o cuspe caiu no meu rosto. Não queria ouvir sua voz. Não queria! Pensou novamente em Chico Asa Baixa.

-Sei que o matei, eu sei, mas ninguém acredita.

Cabo Jonas irrita-se com o silencio e desprezo. Oferece-me uma rosa a moda dos fidalgos franceses.

-Stop my friend, stop! Parlare italiano?Je parle français e toi?

Confusão de fases, velhos chavões dos que não sabem idioma nenhum. Mas era assim, imitando como papagaio, que queria dar a entender ser douto em línguas estrangeiras. Na verdade, cabo Jonas serviu junto a FEB, na Itália , e não esqueceu a guerra que venceu sem dar um tiro.

Continua representando, falando, falando. Tudo isso enche, irrita! De nada adiantará o meu desprezo. Cabo Jonas me conhece a fundo. Continuará falando até que a voz fique rouca... Sabe que não o deixarei só. A fisionomia vai mudando , de personagem a personagem: sobrancelhas sobem, descem. Olhos bons, ternos, olhos maus, agressivos ao mesmo tempo. Tenta comunicar alguma coisa que não sabe explicar. Alguma coisa além da miséria e do significado de cada coisa.

-E Chico Asa Baixa? Chico Asa Baixa morreu. O matei com minhas próprias mãos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário