sexta-feira, 7 de maio de 2010

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Andava mesmo com azar. Se não fosse daqueles que não acreditavam nessas coisas, o que seria? Qual a palavra certa para definir a falta de sorte, coisas dando erradas, uma atrás da outra? Na mente tudo estava claro. Tudo mudou na sua vida por causa daquele maldito, que não lhe saia da cabeça:

-Chico Asa Baixa à noite, à tarde e pela manhã. Continuasse assim, já sabia: Ia terminar no hospício, no Pinel. Aí os moradores da Casa não mais mentiriam ao seu respeito. Não distorceriam a verdade. Para o inferno os moradores da Casa, moradores fuxiqueiros. Vermes à cata do sangue humano, com suas picuinhas e inverdades. Ele e Deus sabiam que acabara com a vida daquele miserável.

Eles diziam que ele era louco, pinel, mesmo! Mas sabia que não era louco. Importava que acreditassem ou não? A vontade era mandar todo mundo à merda, à puta que pariu! Mandasse e ficariam calados. Não diriam só palavra. Covardes, parasitas, vivendo da miséria alheia. Essa a verdade... Invejosos, isto sim. Odiava toda aquela corja. Pudesse e há muito teria deixado aquela cabeça-de-porco... Pocilga cheia de gente metido a besta, mendigos com espírito de rico, mendigos! Chico Asa Baixa era um. Vivia falando de conquistas, contando vantagens. Enchia a boca para dizer que "as mulheres o adoravam." Mentiras, mentiras e mais mentiras.

- ...E os bobos ficavam ouvindo suas conversas e acreditavam. "Ipanema, Leblon, Castelinho. Loiras maravilhosas que o amavam e só faltavam o matar de carícias". As altas horas da noite ele voltava, cabeça baixa, com medo que alguém o visse, com o casaco arrastando no chão. Era a impressão que dava para quem o via de longe: jaqueta de frio cobrindo a deformação do corpo, num sobe e desce sem fim. Ele sempre voltava pelas madrugadas para não descobrirem que morava na Lapa.

Considerava Chico Asa Baixa da mesma laia do Cabo Jonas, Paulista ou mesmo a Joana Doida, aquela que quando passávamos, levantava a saia e mostrava tudo, só para que gritássemos:

-Ela está sem calça! Ela está sem calça!

Aí ela repetia o mesmo gesto. Levantava a saia para exibir a bunda e , depois,com as mãos em concha, apalpava as partes pudendas.

Chico Asa Baixa era um falastrão. Doido para contar vantagens, se afirmar. So ele não via o quanto era ridículo. Pousava de rico, mas não tinha nada que uma barata roesse nos fundilhos. E a pose de intelectual? Tudo fachada, castelo de cartas montado ao vento. Não precisava nem de um sopro para derrubar. O que ele queria de mim? Porque me perseguia como sombra?

Se bem que naqueles dias horrendos, muita gente boa, passou por mau e muitos viviam querendo “dedar” os outros, a custa de bebesses e favores dos milicos. Tinha culpa de ter conseguido estágio num jornal perseguido pelo Sistema, onde a censura era ao vivo e a cores, na cara, na redação do jornal?

Todo texto escrito ia direto para a mesa do censor e , só com o aval dele, era levado aos editores; depois pra composição,diagramação , impressão.

Lembrou o dia em que um velho contíno, gaiato, que gosava todo mundo no jornal, chegou à mesa do censor e, num tom jocoso, rebolando os quadris, disse:

-Censurando, in?! Colocando em seguida, uma pilha de reportágens sobre a mesa.

Foi aquele Deus nos acuda, até a cabeça do Napô, o contíno, o censor pediu!

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