A NOVISSIMA LITERATURA BRASILEIRA
sexta-feira, 7 de maio de 2010
1
”... Regresso à terra que margeia a vala, encharcado de insegurança, agora denso de ansiedade e revolta. Os primeiros passos vêm com o impulso dos malditos, dos que desconhecem o alcance de uma frase e de um gesto, porque algo de elementar lhes foi negado.”
Estava na sala de espera, atento, aguardando. Pelo vitral do corredor, perdia a dimensão exata do que via. Atento aos que se aproximavam, bem antes que o ruído lhe chegasse aos ouvidos. Magia de passos, mistura de cores, imagens sem formas, que chegavam aos olhos cansados, estragados pela miopia. O tempo queimava na brasa do cigarro, obsessão lenta, diluindo-se nas cinzas. Saiu. Não dava mais para esperar a sessão das dez, pena que já tivesse pago a entrada. Agora o que fazer? Caminhar seria a solução. Gostava de caminhar e a noite convidava para isso.
Sorveu o ar com cheiro de sal... Sentiu o vento leste que vinha do mar. Perdeu-se no espaço das horas. Percorreu ruas e mais ruas, olhou vitrines, tentando esquecer tudo. Queria esquecer... Esquecer, mais não podia. Uma certa lembrança não lhe saia da cabeça. Cada passo que dava ouvia martelar no cérebro a mesma frase, compassada, intrigante. Não queria repetir em voz alta, não queria!
-E se repetisse de que adiantaria? Já havia dito a todos, ninguém acreditava. Passou por louco, mentiroso, pinel mesmo! Entretanto, lá no fundo sabia, tinha certeza! Seria culpado ou não, por ter dado um fim na estória de Chico Asa Baixa?
O relógio da Mesbla marcou duas horas. Bares fechados, ruas quase desertas. No Passeio uma mulher alimentava os gatos e vigiava os mendigos. Medo que eles deixassem os gatos, ”criaturinhas de Deus,” sem comida. O pequeno jornaleiro improvisou a cama com sobra de jornais e papelão. Travestis desfilavam impacientes, de um lado para outro da Cinelândia, sem conseguir convencer ninguém.
Começou a sentir cansaço nas pernas, o sono apertando os olhos. Lembrou Chico Asa Baixa reclamando da vida, contando sua estória. Mentira, pretexto. Importava fosse verdade ou não o que contava? Queria saber de sua vida, recalques, frustrações? Agora compreendia que o grande erro fora confiar em Chico Asa Baixa. Não se arrependia de tê-lo assassinado. Não se arrependia. A lâmina entrando na podridão do corpo, punho cerrado, acompanhando o fluxo do pensamento, a lâmina fria na mão:
-Morre Chico Asa Baixa! Morre Chico Asa Baixa!
Queria livrar-se dessa obsessão. Chico Asa Baixa não era gente, não era. O corpo os urubus rejeitaram, as formigas passaram por longe, não correu sangue de suas feridas. Nunca acreditei nos boatos a respeito de Chico Asa Baixa. Ninguém acredita que o matei. Não há provas para me incriminar. Ninguém notou sua falta e nunca mais falarão seu nome. A lenda que existia a seu respeito desapareceu. Mas sei que o matei. . Vi sua cara, mas parecida a um focinho de porco, transformar-se em cinzas... Ouvi suas últimas palavras. Ainda guardo-as comigo.
Chico Asa Baixa morava num quarto escuro, no fim do corredor da Casa e ninguém quase o via durante o dia. Dormia como bicho. Deitado parecia um verme, em desespero, na angústia existencial. Não se distinguia bem a forma do corpo, um amontoado de ossos vestidos em pele cabeluda, ressaltados pelos defeitos de nascença, que lhe marcaram o corpo. Um dia espreitei pelo buraco da fechadura... Juro que não acreditei. Chico Asa Baixa não era gente. Não era!
Provar que o matei não posso. Às vezes sinto que ainda está vivo, numa outra forma de vida, que não conseguimos ver. Outra forma de vida? Noutra dimensão? Por que os urubus não comeram o corpo? De onde surgiu a lama verde que escorria das feridas? A vida de Chico Asa Baixa sempre foi um mistério. Às vezes penso se há outros seres como ele, vivendo entre nós. Sinto calafrio, só de pensar, da cabeça aos pés. Temo que venham vingar sua morte: a morte de Chico Asa Baixa.
“DESMENTIDA A RENÚNCIA DO PAPA”, dizia a manchete de jornal, ainda quentinho em pilhas perto das bancas.
...Que importava renunciasse ou não o Papa, as notícias do jornal, o fanatismo dos fiéis que queimavam maços e maços de velas em frente à igreja da Lapa? Que importava Maria Gorda, a mais gorda de todas as Marias, dançando às cegas entre os carros, falando à toa, frases sem nexo, ela e seu vestido de bolas brancas, azuis, vermelhas? Não importava.
Chico Asa Baixa me seguia como sombra. O que queria de mim? O quê? Olhos pequenos, observadores, adquiriam sagacidade. Riso sínico dominando a cara pequena, cheia de pêlos. Certa noite sentiu vontade de estrangulá-lo. O ódio crescendo, tomando forma, corpo. Boatos, os boatos de Casa cozendo cartilagens, nervuras. Combustão, lenta, lenta. Chico Asa Baixa não era gente.
Sabia que ia matá-lo. Tudo questão de horas. Sabia e nada fez para impedir. Olhos miúdos falando mais que a boca. Dizendo coisas que não entendia que nunca entenderei. Sorriso cínico, cara miúda, de quem zomba da vida e das coisas da vida. Há noites que ouço a sua voz. Chico Asa Baixa morreu, eu sei. Distingo perfeitamente sua vós entre outras que jamais ouvi. E digo a mim mesmo: Se Chico Asa Baixa está vivo vou matá-lo novamente. A lamina baixará no corpo. No cérebro, a mesma música: Morre Chico Asa Baixa! Morre!
Samuel Rawet. (ABAMA)
Estava na sala de espera, atento, aguardando. Pelo vitral do corredor, perdia a dimensão exata do que via. Atento aos que se aproximavam, bem antes que o ruído lhe chegasse aos ouvidos. Magia de passos, mistura de cores, imagens sem formas, que chegavam aos olhos cansados, estragados pela miopia. O tempo queimava na brasa do cigarro, obsessão lenta, diluindo-se nas cinzas. Saiu. Não dava mais para esperar a sessão das dez, pena que já tivesse pago a entrada. Agora o que fazer? Caminhar seria a solução. Gostava de caminhar e a noite convidava para isso.
Sorveu o ar com cheiro de sal... Sentiu o vento leste que vinha do mar. Perdeu-se no espaço das horas. Percorreu ruas e mais ruas, olhou vitrines, tentando esquecer tudo. Queria esquecer... Esquecer, mais não podia. Uma certa lembrança não lhe saia da cabeça. Cada passo que dava ouvia martelar no cérebro a mesma frase, compassada, intrigante. Não queria repetir em voz alta, não queria!
-E se repetisse de que adiantaria? Já havia dito a todos, ninguém acreditava. Passou por louco, mentiroso, pinel mesmo! Entretanto, lá no fundo sabia, tinha certeza! Seria culpado ou não, por ter dado um fim na estória de Chico Asa Baixa?
O relógio da Mesbla marcou duas horas. Bares fechados, ruas quase desertas. No Passeio uma mulher alimentava os gatos e vigiava os mendigos. Medo que eles deixassem os gatos, ”criaturinhas de Deus,” sem comida. O pequeno jornaleiro improvisou a cama com sobra de jornais e papelão. Travestis desfilavam impacientes, de um lado para outro da Cinelândia, sem conseguir convencer ninguém.
Começou a sentir cansaço nas pernas, o sono apertando os olhos. Lembrou Chico Asa Baixa reclamando da vida, contando sua estória. Mentira, pretexto. Importava fosse verdade ou não o que contava? Queria saber de sua vida, recalques, frustrações? Agora compreendia que o grande erro fora confiar em Chico Asa Baixa. Não se arrependia de tê-lo assassinado. Não se arrependia. A lâmina entrando na podridão do corpo, punho cerrado, acompanhando o fluxo do pensamento, a lâmina fria na mão:
-Morre Chico Asa Baixa! Morre Chico Asa Baixa!
Queria livrar-se dessa obsessão. Chico Asa Baixa não era gente, não era. O corpo os urubus rejeitaram, as formigas passaram por longe, não correu sangue de suas feridas. Nunca acreditei nos boatos a respeito de Chico Asa Baixa. Ninguém acredita que o matei. Não há provas para me incriminar. Ninguém notou sua falta e nunca mais falarão seu nome. A lenda que existia a seu respeito desapareceu. Mas sei que o matei. . Vi sua cara, mas parecida a um focinho de porco, transformar-se em cinzas... Ouvi suas últimas palavras. Ainda guardo-as comigo.
Chico Asa Baixa morava num quarto escuro, no fim do corredor da Casa e ninguém quase o via durante o dia. Dormia como bicho. Deitado parecia um verme, em desespero, na angústia existencial. Não se distinguia bem a forma do corpo, um amontoado de ossos vestidos em pele cabeluda, ressaltados pelos defeitos de nascença, que lhe marcaram o corpo. Um dia espreitei pelo buraco da fechadura... Juro que não acreditei. Chico Asa Baixa não era gente. Não era!
Provar que o matei não posso. Às vezes sinto que ainda está vivo, numa outra forma de vida, que não conseguimos ver. Outra forma de vida? Noutra dimensão? Por que os urubus não comeram o corpo? De onde surgiu a lama verde que escorria das feridas? A vida de Chico Asa Baixa sempre foi um mistério. Às vezes penso se há outros seres como ele, vivendo entre nós. Sinto calafrio, só de pensar, da cabeça aos pés. Temo que venham vingar sua morte: a morte de Chico Asa Baixa.
“DESMENTIDA A RENÚNCIA DO PAPA”, dizia a manchete de jornal, ainda quentinho em pilhas perto das bancas.
...Que importava renunciasse ou não o Papa, as notícias do jornal, o fanatismo dos fiéis que queimavam maços e maços de velas em frente à igreja da Lapa? Que importava Maria Gorda, a mais gorda de todas as Marias, dançando às cegas entre os carros, falando à toa, frases sem nexo, ela e seu vestido de bolas brancas, azuis, vermelhas? Não importava.
Chico Asa Baixa me seguia como sombra. O que queria de mim? O quê? Olhos pequenos, observadores, adquiriam sagacidade. Riso sínico dominando a cara pequena, cheia de pêlos. Certa noite sentiu vontade de estrangulá-lo. O ódio crescendo, tomando forma, corpo. Boatos, os boatos de Casa cozendo cartilagens, nervuras. Combustão, lenta, lenta. Chico Asa Baixa não era gente.
Sabia que ia matá-lo. Tudo questão de horas. Sabia e nada fez para impedir. Olhos miúdos falando mais que a boca. Dizendo coisas que não entendia que nunca entenderei. Sorriso cínico, cara miúda, de quem zomba da vida e das coisas da vida. Há noites que ouço a sua voz. Chico Asa Baixa morreu, eu sei. Distingo perfeitamente sua vós entre outras que jamais ouvi. E digo a mim mesmo: Se Chico Asa Baixa está vivo vou matá-lo novamente. A lamina baixará no corpo. No cérebro, a mesma música: Morre Chico Asa Baixa! Morre!
2
Regresso a Lapa e logo vejo Paulista. Quando me vê finge elegância: mãos no cabelo, na cintura, a bunda rebolando, rebolando, com os molambos. Paulista faz isto para me agradar. Sabe que não é bonita. O corpo não passa de uma recordação, lembrada de vez em quando, pelas feridas que carregava sob os seios inchados.
-Neném, tantim assim. Tantim assim, neném... Com esse gesto, feito com os dedos indicador e polegar, ela pedia que mostrássemos o pênis, apontado para a braguilha.
Tentava com a mímica explicar, o que queria.E o que pedia, que era pouco para matar seu desejo, excitação. Fazia o mesmo gesto apontando para a boca: queria uma dose de cana, que comprávamos no Bar Congresso. Na confusão mental em que vivia, uma dose de alívio, para o sofrimento sem fim! Pegou uma nota de cem e colocou na sua mão.
-Brigado neném, brigado! Tão graçadinho... Graçadinho!
A língua embolada esboça a gratidão, ou tentativa de agradecimento, coisa que poucos entendem. Paulista segue cabisbaixa desligada do mundo rumo ao boteco, rumo à vida. E Chico Asa Baixa? O corpo transformando-se em lama, sumindo sob meus olhos. O medo ainda o perturba, olha ao redor, só ruína, destruição.
Ergueu os olhos e viu que cabo Jonas se aproximava. Camisa nova! De quem teria tomado? De quem? Cabo Jonas, sorriso nos lábios, como sempre. Tentava esquecer a guerra que ganhou ou perdeu, ao mesmo tempo. Onde conseguira tantas rosas? Onde? Chegou falando alto, o cuspe caiu no meu rosto. Não queria ouvir sua voz. Não queria! Pensou novamente em Chico Asa Baixa.
-Sei que o matei, eu sei, mas ninguém acredita.
Cabo Jonas irrita-se com o silencio e desprezo. Oferece-me uma rosa a moda dos fidalgos franceses.
-Stop my friend, stop! Parlare italiano?Je parle français e toi?
Confusão de fases, velhos chavões dos que não sabem idioma nenhum. Mas era assim, imitando como papagaio, que queria dar a entender ser douto em línguas estrangeiras. Na verdade, cabo Jonas serviu junto a FEB, na Itália , e não esqueceu a guerra que venceu sem dar um tiro.
Continua representando, falando, falando. Tudo isso enche, irrita! De nada adiantará o meu desprezo. Cabo Jonas me conhece a fundo. Continuará falando até que a voz fique rouca... Sabe que não o deixarei só. A fisionomia vai mudando , de personagem a personagem: sobrancelhas sobem, descem. Olhos bons, ternos, olhos maus, agressivos ao mesmo tempo. Tenta comunicar alguma coisa que não sabe explicar. Alguma coisa além da miséria e do significado de cada coisa.
-E Chico Asa Baixa? Chico Asa Baixa morreu. O matei com minhas próprias mãos.
-Neném, tantim assim. Tantim assim, neném... Com esse gesto, feito com os dedos indicador e polegar, ela pedia que mostrássemos o pênis, apontado para a braguilha.
Tentava com a mímica explicar, o que queria.E o que pedia, que era pouco para matar seu desejo, excitação. Fazia o mesmo gesto apontando para a boca: queria uma dose de cana, que comprávamos no Bar Congresso. Na confusão mental em que vivia, uma dose de alívio, para o sofrimento sem fim! Pegou uma nota de cem e colocou na sua mão.
-Brigado neném, brigado! Tão graçadinho... Graçadinho!
A língua embolada esboça a gratidão, ou tentativa de agradecimento, coisa que poucos entendem. Paulista segue cabisbaixa desligada do mundo rumo ao boteco, rumo à vida. E Chico Asa Baixa? O corpo transformando-se em lama, sumindo sob meus olhos. O medo ainda o perturba, olha ao redor, só ruína, destruição.
Ergueu os olhos e viu que cabo Jonas se aproximava. Camisa nova! De quem teria tomado? De quem? Cabo Jonas, sorriso nos lábios, como sempre. Tentava esquecer a guerra que ganhou ou perdeu, ao mesmo tempo. Onde conseguira tantas rosas? Onde? Chegou falando alto, o cuspe caiu no meu rosto. Não queria ouvir sua voz. Não queria! Pensou novamente em Chico Asa Baixa.
-Sei que o matei, eu sei, mas ninguém acredita.
Cabo Jonas irrita-se com o silencio e desprezo. Oferece-me uma rosa a moda dos fidalgos franceses.
-Stop my friend, stop! Parlare italiano?Je parle français e toi?
Confusão de fases, velhos chavões dos que não sabem idioma nenhum. Mas era assim, imitando como papagaio, que queria dar a entender ser douto em línguas estrangeiras. Na verdade, cabo Jonas serviu junto a FEB, na Itália , e não esqueceu a guerra que venceu sem dar um tiro.
Continua representando, falando, falando. Tudo isso enche, irrita! De nada adiantará o meu desprezo. Cabo Jonas me conhece a fundo. Continuará falando até que a voz fique rouca... Sabe que não o deixarei só. A fisionomia vai mudando , de personagem a personagem: sobrancelhas sobem, descem. Olhos bons, ternos, olhos maus, agressivos ao mesmo tempo. Tenta comunicar alguma coisa que não sabe explicar. Alguma coisa além da miséria e do significado de cada coisa.
-E Chico Asa Baixa? Chico Asa Baixa morreu. O matei com minhas próprias mãos.
3
Continuou descendo a Visconde de Maranguape, o palco principal da Lapa moribunda. Dali dava para ver a Rua dos Arcos, o bondinho rumando para Santa Tereza. As ruelas que no passado abrigaram intelectuais, artistas famosos como Carmem Miranda e escritores como Machado de Assis, Manoel Bandeira, e que viu nascer o temido “Madame Satã”, agora a nossa morada: covil de loucos desprovidos da sorte, mendigos decadentes.
A Casa do Estudante, a melhor referência, a pérola incrustada no lodo vital: do outro lado, por trás da Casa, a Escola Nacional de Música. À noite, dava pra ouvir os estudantes afinando os instrumentos musicais. Em frente, o Passeio Publico, a concentração de mendigos e outros desocupados. Ao lado, a Cinelândia, paraíso dos “entendidos”, michês, garotos de programa, prostitutas, empresários, artistas e intelectuais. Lugar de chope gelado, cervejinha e papos políticos ou descompromissados, palco de guerra de idéias e conflitos morais, até altas horas da madrugada.
Da Casa, pelo vitral que os separava da rua, sempre via passar um escritor jovem e já famoso: Mestre Silva. Alto, magérrimo, elegante, lenço de seda no pescoço, cabelo Black Power, impecável. Óculos escuros, cubando a noite e quem desfilava na noite, por cima das lentes, de modo altivo. Leve pisar, andar cadenciado, abraçado aos livros que pressionava junto ao peito, descendo a Visconde de Maranguape. Parecia um “louva-a-deus” a desfilar.
Todos conviviam com aquela realidade cruel, a vida se desenrolando como num teatro, com personagens reais. Prostitutas, travestis, viciados, bêbados e malandros de toda espécie, dividiam conosco o mesmo ar de indignação e perplexidade.
Uma viatura da policia, de cor preta, para em frente à Casa. Todos atentos, alerta geral! Mas os policiais vão pender ,do outro lado da rua, travestis que brigavam com giletes nas mãos.
Mestre Assis conhecia bem a Lapa e Mestre Silva. Dizia que ele tinha “um belo texto ,que tinha futuro mesmo... e que ousou, bastante novo, com apenas um livro publicado, pleitear uma vaga na Academia Brasileira de Letras”.
Claro que não o deixaram entrar. A Casa de Machado de Assis mantinha outras tradições, naquela época, além das do chá nos finais da tarde. Nos anos, 60 e 70, via de regra, preenchia as“cadeiras” vagas, com figuraços, políticos, milicos, alguns sem nenhuma obra importante publicada.
"Lá entrava quem tivesse prestígio ou padrinhos poderosos nos grupos de conchavos". Mestre Assis - crítico mordaz e escritor várias vezes premiado, lutou muito para cair nas graças de alguns “imortais”. Lá esteve por muitos anos, “queimado”, por suas idéias legítimas e por uma critica autêntica, em defesa da verdadeira Literatura Brasileira. Naquela época era do conhecimento publico os escritores de “orelhas de Livro”, de obras menores e inexpressíveis, que vestiam o famoso fardão e se misturavam aos figurões das Letras...
E o que tudo isso tinha a ver com Chico Asa Baixa, pensou com os seus botões? Nada. Nada mesmo! Chico Asa Baixa morreu, eu o matei mesmo! Chico Asa Baixa a idéia fixa que não saia da cabeça, não fosse às lembranças dos tempos felizes, em que largara temporariamente a Lapa, para viajar pelo país, como repórter do Jornal do Escritor.
Agora, não bastasse os loucos que o rodeavam, aquela idéia fixa não o deixava em paz. Tinha que matar Chico Asa Baixa. No mundo não havia lugar para os dois. Mas não sabia que a vida se transformaria num inferno, depois da morte de Chico Asa Baixa. O próprio casarão não seria mais o mesmo. Assumiria dimensões fantasmagóricas. Coisas estranhas iriam acontecer!
Numa noite acordou com forte cheiro de fumaça invadindo o quarto. Deu um salto da cama, abriu à veneziana. O corredor era só fumaça negra. O cheiro de querosene sufocava e vultos estranhos, desconhecidos, dançavam nas labaredas, já na altura do teto.
-Água não! Água não! Água não! - gritou.
Eles sorriam, atiravam baldes d’água nas chamas, que aumentavam na direção do quarto. A “Casa” toda gritava. Lamentos, mais lamentos. Olavo, que morava no andar de baixo, tentava salvar as “jóias e os diplomas”.
-Salvem minhas jóias, meus anéis, meus diplomas, gritava em pânico!
No andar de cima, Carlos, maranhense descendente de negros Zulus, queria pular para o térreo. Se pulasse quebraria as pernas. Não pula Carlos, não pula, gritou alguem e em seguida: “chamem os bombeiros”. Outro, no quarto andar berrava: “fogo, fogo”!
-Sabem quem vi entre, as chamas, sorrindo para mim. Não precisava dizer. Não precisava!
A Casa do Estudante, a melhor referência, a pérola incrustada no lodo vital: do outro lado, por trás da Casa, a Escola Nacional de Música. À noite, dava pra ouvir os estudantes afinando os instrumentos musicais. Em frente, o Passeio Publico, a concentração de mendigos e outros desocupados. Ao lado, a Cinelândia, paraíso dos “entendidos”, michês, garotos de programa, prostitutas, empresários, artistas e intelectuais. Lugar de chope gelado, cervejinha e papos políticos ou descompromissados, palco de guerra de idéias e conflitos morais, até altas horas da madrugada.
Da Casa, pelo vitral que os separava da rua, sempre via passar um escritor jovem e já famoso: Mestre Silva. Alto, magérrimo, elegante, lenço de seda no pescoço, cabelo Black Power, impecável. Óculos escuros, cubando a noite e quem desfilava na noite, por cima das lentes, de modo altivo. Leve pisar, andar cadenciado, abraçado aos livros que pressionava junto ao peito, descendo a Visconde de Maranguape. Parecia um “louva-a-deus” a desfilar.
Todos conviviam com aquela realidade cruel, a vida se desenrolando como num teatro, com personagens reais. Prostitutas, travestis, viciados, bêbados e malandros de toda espécie, dividiam conosco o mesmo ar de indignação e perplexidade.
Uma viatura da policia, de cor preta, para em frente à Casa. Todos atentos, alerta geral! Mas os policiais vão pender ,do outro lado da rua, travestis que brigavam com giletes nas mãos.
Mestre Assis conhecia bem a Lapa e Mestre Silva. Dizia que ele tinha “um belo texto ,que tinha futuro mesmo... e que ousou, bastante novo, com apenas um livro publicado, pleitear uma vaga na Academia Brasileira de Letras”.
Claro que não o deixaram entrar. A Casa de Machado de Assis mantinha outras tradições, naquela época, além das do chá nos finais da tarde. Nos anos, 60 e 70, via de regra, preenchia as“cadeiras” vagas, com figuraços, políticos, milicos, alguns sem nenhuma obra importante publicada.
"Lá entrava quem tivesse prestígio ou padrinhos poderosos nos grupos de conchavos". Mestre Assis - crítico mordaz e escritor várias vezes premiado, lutou muito para cair nas graças de alguns “imortais”. Lá esteve por muitos anos, “queimado”, por suas idéias legítimas e por uma critica autêntica, em defesa da verdadeira Literatura Brasileira. Naquela época era do conhecimento publico os escritores de “orelhas de Livro”, de obras menores e inexpressíveis, que vestiam o famoso fardão e se misturavam aos figurões das Letras...
E o que tudo isso tinha a ver com Chico Asa Baixa, pensou com os seus botões? Nada. Nada mesmo! Chico Asa Baixa morreu, eu o matei mesmo! Chico Asa Baixa a idéia fixa que não saia da cabeça, não fosse às lembranças dos tempos felizes, em que largara temporariamente a Lapa, para viajar pelo país, como repórter do Jornal do Escritor.
Agora, não bastasse os loucos que o rodeavam, aquela idéia fixa não o deixava em paz. Tinha que matar Chico Asa Baixa. No mundo não havia lugar para os dois. Mas não sabia que a vida se transformaria num inferno, depois da morte de Chico Asa Baixa. O próprio casarão não seria mais o mesmo. Assumiria dimensões fantasmagóricas. Coisas estranhas iriam acontecer!
Numa noite acordou com forte cheiro de fumaça invadindo o quarto. Deu um salto da cama, abriu à veneziana. O corredor era só fumaça negra. O cheiro de querosene sufocava e vultos estranhos, desconhecidos, dançavam nas labaredas, já na altura do teto.
-Água não! Água não! Água não! - gritou.
Eles sorriam, atiravam baldes d’água nas chamas, que aumentavam na direção do quarto. A “Casa” toda gritava. Lamentos, mais lamentos. Olavo, que morava no andar de baixo, tentava salvar as “jóias e os diplomas”.
-Salvem minhas jóias, meus anéis, meus diplomas, gritava em pânico!
No andar de cima, Carlos, maranhense descendente de negros Zulus, queria pular para o térreo. Se pulasse quebraria as pernas. Não pula Carlos, não pula, gritou alguem e em seguida: “chamem os bombeiros”. Outro, no quarto andar berrava: “fogo, fogo”!
-Sabem quem vi entre, as chamas, sorrindo para mim. Não precisava dizer. Não precisava!
4
- Chico Asa Baixa tomara a forma de labaredas rubras, amarelas. O suor tomando conta do corpo. A Casa transformara-se numa fogueira. O calor insuportável, mesmo a distancia.Os ratos, em gritaria refugiavam-se nos sapatos, sob as camas. Seria a vingança de Chico Asa Baixa? A vingança que já esperava?
Da janela viu Olavo, o "homem" das jóias e dos diplomas. Vestia uma "calcinha",
vermelha e estava caído no seu quarto, no segundo andar.: havia desmaiado de pavor! Os anéis, de varias formaturas, agarrados junto ao peito. As jóias, miçangas imitando rubis, esmeraldas, usadas em adereços de fantasias do carnaval , agora brilhavam inutilmente. Os diplomas conseguira salvar intactos.
Carlos, o maranhense, negro retinto, dentes brancos como neve, tinha mudado de cor. Ficou com a tez amarelada pelo medo. E na medida que o susto passava, foi ficando cinza, salpicado de fuligem. Já se ouvia a sirene dos Bombeiros e fogo continuava queimando tudo perto da escada.
Encheu-se de coragem, motivado por estranha força. Tomou o rumo das labaredas sem medo, envolto num lençol molhado. Viu que o incêndio vinha da lixeira que estava cheia, transbordando para a escada. E o cheiro de querosene? “Aquilo era coisa da direita”, dos que queriam desocupar a Casa na marra, diziam uns. Fazia sentido, fazia sentido sim, embora ninguém pudesse provar.
Logo os Bombeiros chegaram e o fogo foi apagado. A Casa não tinha extintores e a sujeira tomava conta de tudo. Durante o resto da noite o fumaceiro tomou conta da Lapa. Uma só fagulha, daquelas que subiam para o céu, poderia condenar a Lapa imediatamente. Os velhos casarões não suportariam a ação devastadora do fogo. E se não fosse uma noite de junho, ninguém diria que a Lapa esteve tão perto de ser também, Sodoma ou Gomorra.
Jamais esqueceria aquela noite sem fim. O fogo é mesmo um agente avassalador, tudo destrói, pensou. Dizem que é o mais divino dos quatro elementos, porque até mesmo Deus teria se apresentado a Moisés, na forma de uma sarça ardente. O fogo, elemento purificador. Naquela noite queimou pecados, limpou a sujeira, e deu um alerta geral a Lapa moribunda. E Chico Asa Baixa? Melhor que ficasse ali, queimando com as labaredas... No outro dia, seria só um monte de cinzas.
Odiava mesmo Chico Asa Baixa com toda força da alma. Inútil tentar esquecê-lo. Pela manhã, bem cedo, desceu para a rua, o caminho de todos os dias. Contemplou as ruínas da Lapa, telhados coloniais, formas renascentistas, barrocas, os velhos casarões. Olhou para o alto contemplando as ruínas. Uma inscrição enegrecida pelo tempo dizia: Fundada em 1803. Adiante num letreiro de neon, lia-se: “Cabaré Primor”, sem o “r” ,que com o tempo levou. Do outro lado da rua, travestis disputavam com Marli Sujinha o direito de conquistar fregueses, ou melhor, os trocados que lhes davam por carícias, beijos, afagos. Um vagabundo, tão vagabundo quanto ele, foi levado pela polícia. O homenzinho "berrava como um cabrito desmamado". Protestava contra a prisão. Chamava pelo dono de um bar. Ficaram na mente suas últimas palavras:
-Eles me pegaram, vão me levar!
A porta traseira da viatura foi aberta. Guardou a imagem dos dois homenzarrões e dos chutes que deram na bunda do homem. O impulso de um corpo caindo na pequena cela, fez lembrar-lo dos condenados, sem eira nem beira, presos políticos, diante das arbitrariedades do poder. Adiantaria falar, ou tentar esquecer? E se eles soubessem que matou Chico Asa Baixa, e que ninguém acreditava?
Da janela viu Olavo, o "homem" das jóias e dos diplomas. Vestia uma "calcinha",
vermelha e estava caído no seu quarto, no segundo andar.: havia desmaiado de pavor! Os anéis, de varias formaturas, agarrados junto ao peito. As jóias, miçangas imitando rubis, esmeraldas, usadas em adereços de fantasias do carnaval , agora brilhavam inutilmente. Os diplomas conseguira salvar intactos.
Carlos, o maranhense, negro retinto, dentes brancos como neve, tinha mudado de cor. Ficou com a tez amarelada pelo medo. E na medida que o susto passava, foi ficando cinza, salpicado de fuligem. Já se ouvia a sirene dos Bombeiros e fogo continuava queimando tudo perto da escada.
Encheu-se de coragem, motivado por estranha força. Tomou o rumo das labaredas sem medo, envolto num lençol molhado. Viu que o incêndio vinha da lixeira que estava cheia, transbordando para a escada. E o cheiro de querosene? “Aquilo era coisa da direita”, dos que queriam desocupar a Casa na marra, diziam uns. Fazia sentido, fazia sentido sim, embora ninguém pudesse provar.
Logo os Bombeiros chegaram e o fogo foi apagado. A Casa não tinha extintores e a sujeira tomava conta de tudo. Durante o resto da noite o fumaceiro tomou conta da Lapa. Uma só fagulha, daquelas que subiam para o céu, poderia condenar a Lapa imediatamente. Os velhos casarões não suportariam a ação devastadora do fogo. E se não fosse uma noite de junho, ninguém diria que a Lapa esteve tão perto de ser também, Sodoma ou Gomorra.
Jamais esqueceria aquela noite sem fim. O fogo é mesmo um agente avassalador, tudo destrói, pensou. Dizem que é o mais divino dos quatro elementos, porque até mesmo Deus teria se apresentado a Moisés, na forma de uma sarça ardente. O fogo, elemento purificador. Naquela noite queimou pecados, limpou a sujeira, e deu um alerta geral a Lapa moribunda. E Chico Asa Baixa? Melhor que ficasse ali, queimando com as labaredas... No outro dia, seria só um monte de cinzas.
Odiava mesmo Chico Asa Baixa com toda força da alma. Inútil tentar esquecê-lo. Pela manhã, bem cedo, desceu para a rua, o caminho de todos os dias. Contemplou as ruínas da Lapa, telhados coloniais, formas renascentistas, barrocas, os velhos casarões. Olhou para o alto contemplando as ruínas. Uma inscrição enegrecida pelo tempo dizia: Fundada em 1803. Adiante num letreiro de neon, lia-se: “Cabaré Primor”, sem o “r” ,que com o tempo levou. Do outro lado da rua, travestis disputavam com Marli Sujinha o direito de conquistar fregueses, ou melhor, os trocados que lhes davam por carícias, beijos, afagos. Um vagabundo, tão vagabundo quanto ele, foi levado pela polícia. O homenzinho "berrava como um cabrito desmamado". Protestava contra a prisão. Chamava pelo dono de um bar. Ficaram na mente suas últimas palavras:
-Eles me pegaram, vão me levar!
A porta traseira da viatura foi aberta. Guardou a imagem dos dois homenzarrões e dos chutes que deram na bunda do homem. O impulso de um corpo caindo na pequena cela, fez lembrar-lo dos condenados, sem eira nem beira, presos políticos, diante das arbitrariedades do poder. Adiantaria falar, ou tentar esquecer? E se eles soubessem que matou Chico Asa Baixa, e que ninguém acreditava?
5
Andava mesmo com azar. Se não fosse daqueles que não acreditavam nessas coisas, o que seria? Qual a palavra certa para definir a falta de sorte, coisas dando erradas, uma atrás da outra? Na mente tudo estava claro. Tudo mudou na sua vida por causa daquele maldito, que não lhe saia da cabeça:
-Chico Asa Baixa à noite, à tarde e pela manhã. Continuasse assim, já sabia: Ia terminar no hospício, no Pinel. Aí os moradores da Casa não mais mentiriam ao seu respeito. Não distorceriam a verdade. Para o inferno os moradores da Casa, moradores fuxiqueiros. Vermes à cata do sangue humano, com suas picuinhas e inverdades. Ele e Deus sabiam que acabara com a vida daquele miserável.
Eles diziam que ele era louco, pinel, mesmo! Mas sabia que não era louco. Importava que acreditassem ou não? A vontade era mandar todo mundo à merda, à puta que pariu! Mandasse e ficariam calados. Não diriam só palavra. Covardes, parasitas, vivendo da miséria alheia. Essa a verdade... Invejosos, isto sim. Odiava toda aquela corja. Pudesse e há muito teria deixado aquela cabeça-de-porco... Pocilga cheia de gente metido a besta, mendigos com espírito de rico, mendigos! Chico Asa Baixa era um. Vivia falando de conquistas, contando vantagens. Enchia a boca para dizer que "as mulheres o adoravam." Mentiras, mentiras e mais mentiras.
- ...E os bobos ficavam ouvindo suas conversas e acreditavam. "Ipanema, Leblon, Castelinho. Loiras maravilhosas que o amavam e só faltavam o matar de carícias". As altas horas da noite ele voltava, cabeça baixa, com medo que alguém o visse, com o casaco arrastando no chão. Era a impressão que dava para quem o via de longe: jaqueta de frio cobrindo a deformação do corpo, num sobe e desce sem fim. Ele sempre voltava pelas madrugadas para não descobrirem que morava na Lapa.
Considerava Chico Asa Baixa da mesma laia do Cabo Jonas, Paulista ou mesmo a Joana Doida, aquela que quando passávamos, levantava a saia e mostrava tudo, só para que gritássemos:
-Ela está sem calça! Ela está sem calça!
Aí ela repetia o mesmo gesto. Levantava a saia para exibir a bunda e , depois,com as mãos em concha, apalpava as partes pudendas.
Chico Asa Baixa era um falastrão. Doido para contar vantagens, se afirmar. So ele não via o quanto era ridículo. Pousava de rico, mas não tinha nada que uma barata roesse nos fundilhos. E a pose de intelectual? Tudo fachada, castelo de cartas montado ao vento. Não precisava nem de um sopro para derrubar. O que ele queria de mim? Porque me perseguia como sombra?
Se bem que naqueles dias horrendos, muita gente boa, passou por mau e muitos viviam querendo “dedar” os outros, a custa de bebesses e favores dos milicos. Tinha culpa de ter conseguido estágio num jornal perseguido pelo Sistema, onde a censura era ao vivo e a cores, na cara, na redação do jornal?
Todo texto escrito ia direto para a mesa do censor e , só com o aval dele, era levado aos editores; depois pra composição,diagramação , impressão.
Lembrou o dia em que um velho contíno, gaiato, que gosava todo mundo no jornal, chegou à mesa do censor e, num tom jocoso, rebolando os quadris, disse:
-Censurando, in?! Colocando em seguida, uma pilha de reportágens sobre a mesa.
Foi aquele Deus nos acuda, até a cabeça do Napô, o contíno, o censor pediu!
-Chico Asa Baixa à noite, à tarde e pela manhã. Continuasse assim, já sabia: Ia terminar no hospício, no Pinel. Aí os moradores da Casa não mais mentiriam ao seu respeito. Não distorceriam a verdade. Para o inferno os moradores da Casa, moradores fuxiqueiros. Vermes à cata do sangue humano, com suas picuinhas e inverdades. Ele e Deus sabiam que acabara com a vida daquele miserável.
Eles diziam que ele era louco, pinel, mesmo! Mas sabia que não era louco. Importava que acreditassem ou não? A vontade era mandar todo mundo à merda, à puta que pariu! Mandasse e ficariam calados. Não diriam só palavra. Covardes, parasitas, vivendo da miséria alheia. Essa a verdade... Invejosos, isto sim. Odiava toda aquela corja. Pudesse e há muito teria deixado aquela cabeça-de-porco... Pocilga cheia de gente metido a besta, mendigos com espírito de rico, mendigos! Chico Asa Baixa era um. Vivia falando de conquistas, contando vantagens. Enchia a boca para dizer que "as mulheres o adoravam." Mentiras, mentiras e mais mentiras.
- ...E os bobos ficavam ouvindo suas conversas e acreditavam. "Ipanema, Leblon, Castelinho. Loiras maravilhosas que o amavam e só faltavam o matar de carícias". As altas horas da noite ele voltava, cabeça baixa, com medo que alguém o visse, com o casaco arrastando no chão. Era a impressão que dava para quem o via de longe: jaqueta de frio cobrindo a deformação do corpo, num sobe e desce sem fim. Ele sempre voltava pelas madrugadas para não descobrirem que morava na Lapa.
Considerava Chico Asa Baixa da mesma laia do Cabo Jonas, Paulista ou mesmo a Joana Doida, aquela que quando passávamos, levantava a saia e mostrava tudo, só para que gritássemos:
-Ela está sem calça! Ela está sem calça!
Aí ela repetia o mesmo gesto. Levantava a saia para exibir a bunda e , depois,com as mãos em concha, apalpava as partes pudendas.
Chico Asa Baixa era um falastrão. Doido para contar vantagens, se afirmar. So ele não via o quanto era ridículo. Pousava de rico, mas não tinha nada que uma barata roesse nos fundilhos. E a pose de intelectual? Tudo fachada, castelo de cartas montado ao vento. Não precisava nem de um sopro para derrubar. O que ele queria de mim? Porque me perseguia como sombra?
Se bem que naqueles dias horrendos, muita gente boa, passou por mau e muitos viviam querendo “dedar” os outros, a custa de bebesses e favores dos milicos. Tinha culpa de ter conseguido estágio num jornal perseguido pelo Sistema, onde a censura era ao vivo e a cores, na cara, na redação do jornal?
Todo texto escrito ia direto para a mesa do censor e , só com o aval dele, era levado aos editores; depois pra composição,diagramação , impressão.
Lembrou o dia em que um velho contíno, gaiato, que gosava todo mundo no jornal, chegou à mesa do censor e, num tom jocoso, rebolando os quadris, disse:
-Censurando, in?! Colocando em seguida, uma pilha de reportágens sobre a mesa.
Foi aquele Deus nos acuda, até a cabeça do Napô, o contíno, o censor pediu!
6
Manhã de julho. Linda manhã de julho. O brilho do sol, rompendo as brumas matutinas, trouxe felizes recordações que não queria relembrar, para não cair no vazio, na solidão que sufocava a cada instante. Para que chorar mágoas, para que sentir saudades, se tudo se reduzia mesmo ao nada, ao fatalismo e a evolução? Se a vida continuava sendo destruída para que outros vivessem? Pensou: Somos parte de um passado que está morrendo todo dia, lentamente e, repetiu a mesma frase em voz alta!
Para Lapa dos dias áureos da República não havia mais esperanças. Inevitável que os velhos casarões barrocos descem lugar a novos arranha-céus e praças ornamentadas. A igreja da Lapa com sua torre semi-destruída, marca deixada por Floriano, com um tiro de canhão, por certo ficaria na história da Lapa, para sempre. Mas os velhos bares, cabarés, restaurantes, dance-days se renderiam ao tempo, e só estariam na memória e nas velhas fotos de revistas ou jornais. Para os habitantes da Lapa não havia mais esperança. Tudo estava morto ou quase morto, inclusive a Casa de Estudantes, velho espigão de quatro andares rasgando o céu.
- Já é madrugada e não consegue dormir. Isso não era novidade para ele. Alguns bares ainda estavam abertos e saiu para tomar um café. Logo viria a manhã com os primeiros raios do sol, novamente. Paulinho, o porteiro, dormia , roncava, no sofá da sala, coberto com um casaco de lã. Bateu a porta, levemente ...fechou o trinco. Viu pela primeira vez os edifícios da nova Lapa que se reestrutura, lentamente, enquanto a velha Lapa morria. E Chico Asa Baixa que diria dessa evolução que condenava a todos ao mesmo fim?
Naquela madrugada Chico Asa Baixa chegou na Casa bêbado. Queria transar com Marli Sujinha no sofá da sala. Paulinho , o porteiro, protestou. "Ia denunciar tudo à diretoria da Casa , se não fosse o primeiro a transar com ela". Paulinho trabalhava durnte o dia em outro edifício e, à noite, dormia na sala, vigiando a entrada dos estudantes. Só voltava para casa, no subúrbio de Deodoro, de quinze em quinze dias.
Ficou tudo combinado, ele seria o primeiro. Mas aconteceu um imprevisto: outros estudantes que regressavam da noitada, também queriam participar da orgia. Assim, sete fizeram uma fila, enquanto Marli Sujinha, como gata no cio, realizava seu mais precioso desejo: transar com a elite da Lapa, os estudantes.
Paulinho deitou sobre Marli, deu um grunhindo e com o corpo ainda trêmulo, correu para o banheiro para se lavar. Ganhou por isso o apelido de “homem galo”, o ligeirinho. Chico Asa Baixa foi o segundo, e assim a fila foi diminuindo. Mas só ele, dias depois, teve que tomar mais de cinco doses de Bezentacil, para curar uma gonorréia e várias "cristas-de-galo". O cheiro que emanava das entranhas de Marli Sujinha não esqueceria jamais. Parecia carne podre, em decomposição, misturado com um perfume doce,barato, que só de pensar, dava náuseas e arrepios.
No outro dia Marli Sujinha espalhou entre os mendigos que dormira com todos da casa. Olavo quando soube protestou.
-Comigo não, pois não gosto de “rachadas”.
Ele gostava mesmo era de festas “privês”, em casas de amigos ricos, formados como ele, e aonde só freqüentavam casais gays.
- Bicha de classe é assim, dizia. Não sai pegando “michês” por ai, afirmava, rebolando a bunda e dando uma “rabiçaca”.
Rolava muito wiske nessas festas, contava orgulhoso. Tudo era de luxo e o clima, era o mesmo dos cabarés da Praça Mauá, com a exitação da luz vermelha !
Para Lapa dos dias áureos da República não havia mais esperanças. Inevitável que os velhos casarões barrocos descem lugar a novos arranha-céus e praças ornamentadas. A igreja da Lapa com sua torre semi-destruída, marca deixada por Floriano, com um tiro de canhão, por certo ficaria na história da Lapa, para sempre. Mas os velhos bares, cabarés, restaurantes, dance-days se renderiam ao tempo, e só estariam na memória e nas velhas fotos de revistas ou jornais. Para os habitantes da Lapa não havia mais esperança. Tudo estava morto ou quase morto, inclusive a Casa de Estudantes, velho espigão de quatro andares rasgando o céu.
- Já é madrugada e não consegue dormir. Isso não era novidade para ele. Alguns bares ainda estavam abertos e saiu para tomar um café. Logo viria a manhã com os primeiros raios do sol, novamente. Paulinho, o porteiro, dormia , roncava, no sofá da sala, coberto com um casaco de lã. Bateu a porta, levemente ...fechou o trinco. Viu pela primeira vez os edifícios da nova Lapa que se reestrutura, lentamente, enquanto a velha Lapa morria. E Chico Asa Baixa que diria dessa evolução que condenava a todos ao mesmo fim?
Naquela madrugada Chico Asa Baixa chegou na Casa bêbado. Queria transar com Marli Sujinha no sofá da sala. Paulinho , o porteiro, protestou. "Ia denunciar tudo à diretoria da Casa , se não fosse o primeiro a transar com ela". Paulinho trabalhava durnte o dia em outro edifício e, à noite, dormia na sala, vigiando a entrada dos estudantes. Só voltava para casa, no subúrbio de Deodoro, de quinze em quinze dias.
Ficou tudo combinado, ele seria o primeiro. Mas aconteceu um imprevisto: outros estudantes que regressavam da noitada, também queriam participar da orgia. Assim, sete fizeram uma fila, enquanto Marli Sujinha, como gata no cio, realizava seu mais precioso desejo: transar com a elite da Lapa, os estudantes.
Paulinho deitou sobre Marli, deu um grunhindo e com o corpo ainda trêmulo, correu para o banheiro para se lavar. Ganhou por isso o apelido de “homem galo”, o ligeirinho. Chico Asa Baixa foi o segundo, e assim a fila foi diminuindo. Mas só ele, dias depois, teve que tomar mais de cinco doses de Bezentacil, para curar uma gonorréia e várias "cristas-de-galo". O cheiro que emanava das entranhas de Marli Sujinha não esqueceria jamais. Parecia carne podre, em decomposição, misturado com um perfume doce,barato, que só de pensar, dava náuseas e arrepios.
No outro dia Marli Sujinha espalhou entre os mendigos que dormira com todos da casa. Olavo quando soube protestou.
-Comigo não, pois não gosto de “rachadas”.
Ele gostava mesmo era de festas “privês”, em casas de amigos ricos, formados como ele, e aonde só freqüentavam casais gays.
- Bicha de classe é assim, dizia. Não sai pegando “michês” por ai, afirmava, rebolando a bunda e dando uma “rabiçaca”.
Rolava muito wiske nessas festas, contava orgulhoso. Tudo era de luxo e o clima, era o mesmo dos cabarés da Praça Mauá, com a exitação da luz vermelha !
7
Amanhece. Os urubus aproveitam as correntes frias da manhã para fazer círculos sobre a Lapa. Dezenas deles acenando com mãos negras, dizendo adeus ao tempo, passado que vivíamos, naquela manhã úmida, fria. Desceu rumo aos Arcos. Hora de tomar um café forte, misturado com pinga . E , assim, perdeu-se nas divagações de uma manhã já cheia de sol. Sentiu o frio seco do inverno que fazia arder as narinas. Sentiu falta de calor humano.
Um guarda de trânsito soou o apito estridente ferindo ouvidos. O tempo voa, já são nove horas. Os engarrafamentos enormes, a cidade começara seu dia. Olha em volta e vê os velhos casarões, amarelos, vermelhos, verdes, caindo aos pedaços. Paulista atravessa a rua e vai acariciar Quincas na calçada de uma casa de ferragens. Beijos, abraços são trocados. Gestos que se perdem no começo da manhã e que provam uma velha tese de Chico Asa Baixa:
-O ser humano vive a procura de amor!
Sujos, maltrapilhos, corroídos pela bebida e desilusões da vida, se entregam ,mutuamente, em afetos que são mais instintos do que outra coisa - pensou. Para que chorar saudades, pra quê? A Lapa estava morta ou quase morta. Chico Asa Baixa também, eu o matei. Matei!
Pensou: quando soar a última hora aonde irá essa gente? O que será feito da Paulista que chegou ao Rio mocinha, cheia de esperanças e que se corrompeu na Lapa, em boates e cabarés. Que tinha o corpo lindo, como "costumava dizer", e que fazia strip-tease nos cabarés da Praça Mauá? E cabo Jonas, Joana Doida, Maria Gorda e Marli Sujinha, esta que jurava que foi "miss", lá para as bandas de Caratinga, Minas Gerais? E Chico Asa Baixa? Chico Asa Baixa estava morto. Bem morto mesmo!
Que seria feito das crianças da Lapa, magras, esqueléticas, sujas e famintas, que não fariam inveja as crianças famintas de Biafra? Para onde iriam os ratos que dividiam com eles o privilégio das cabeças-de-porco? E os vagabundos, mendigos e os travestis? A Lapa estava morta sabia.Para que pensar em coisas, em pessoas que logo não mais existeriam? O cheiro do cigarro tomou conta do ar ferindo o nariz. Todos sabiam que a nicotina matava, causava câncer, mas naquela manhã fria de julho, com uma garoa fina molhando a pele, um cigarro era uma fogueira a aquecer os pulmões.
A temperatura mudara de uma hora para outra e , a garoa transformou-se em uma chuva fina molhando os ossos. Doía lá dentro, no estômago vazio. Só não molhava as recordações que brotavam, em turbilhões , lá dentro da cabeça: Chico Asa Baixa morreu eu sei, mesmo que ninguém acreditasse na sua morte.
Entrou na leiteria Bol para pedir um pingado. Também, o dinheiro que tinha mal dava para isso. Olhou para a Casa e viu que os primeiros estudantes já começavam a voltar das aulas. A Visconde de Maranguape estava sombria e um nevoeiro tênue encobria parcialmente o Aqueduto de Santa Tereza.
Parou numa banca de jornal, olhou as manchetes. Mãos frias dentro dos bolsos e o estômago doendo, doendo de fome. Em qual restaurante iria almoçar, pensou? Poderia ir ao restaurante do China, ou do Turco, comer um “sortido” , ou então esperar o Zé do Angu á baiana, que só chegava la´prás 7 horas da noite.
A boca encheu-se d’água e pensou: muito bom, muito bom mesmo! Poderia esperar, dava pra esperar! Aquele angú de milho bem cozido, regado com molho grosso, cheio de pedaços de bofe, cortadinhos em pedaços miúdos e outras fissuras bovinas. Matavaria a fome e, com aquela pimentinha malagueta, aqueceria o estômago e o coração.
Um guarda de trânsito soou o apito estridente ferindo ouvidos. O tempo voa, já são nove horas. Os engarrafamentos enormes, a cidade começara seu dia. Olha em volta e vê os velhos casarões, amarelos, vermelhos, verdes, caindo aos pedaços. Paulista atravessa a rua e vai acariciar Quincas na calçada de uma casa de ferragens. Beijos, abraços são trocados. Gestos que se perdem no começo da manhã e que provam uma velha tese de Chico Asa Baixa:
-O ser humano vive a procura de amor!
Sujos, maltrapilhos, corroídos pela bebida e desilusões da vida, se entregam ,mutuamente, em afetos que são mais instintos do que outra coisa - pensou. Para que chorar saudades, pra quê? A Lapa estava morta ou quase morta. Chico Asa Baixa também, eu o matei. Matei!
Pensou: quando soar a última hora aonde irá essa gente? O que será feito da Paulista que chegou ao Rio mocinha, cheia de esperanças e que se corrompeu na Lapa, em boates e cabarés. Que tinha o corpo lindo, como "costumava dizer", e que fazia strip-tease nos cabarés da Praça Mauá? E cabo Jonas, Joana Doida, Maria Gorda e Marli Sujinha, esta que jurava que foi "miss", lá para as bandas de Caratinga, Minas Gerais? E Chico Asa Baixa? Chico Asa Baixa estava morto. Bem morto mesmo!
Que seria feito das crianças da Lapa, magras, esqueléticas, sujas e famintas, que não fariam inveja as crianças famintas de Biafra? Para onde iriam os ratos que dividiam com eles o privilégio das cabeças-de-porco? E os vagabundos, mendigos e os travestis? A Lapa estava morta sabia.Para que pensar em coisas, em pessoas que logo não mais existeriam? O cheiro do cigarro tomou conta do ar ferindo o nariz. Todos sabiam que a nicotina matava, causava câncer, mas naquela manhã fria de julho, com uma garoa fina molhando a pele, um cigarro era uma fogueira a aquecer os pulmões.
A temperatura mudara de uma hora para outra e , a garoa transformou-se em uma chuva fina molhando os ossos. Doía lá dentro, no estômago vazio. Só não molhava as recordações que brotavam, em turbilhões , lá dentro da cabeça: Chico Asa Baixa morreu eu sei, mesmo que ninguém acreditasse na sua morte.
Entrou na leiteria Bol para pedir um pingado. Também, o dinheiro que tinha mal dava para isso. Olhou para a Casa e viu que os primeiros estudantes já começavam a voltar das aulas. A Visconde de Maranguape estava sombria e um nevoeiro tênue encobria parcialmente o Aqueduto de Santa Tereza.
Parou numa banca de jornal, olhou as manchetes. Mãos frias dentro dos bolsos e o estômago doendo, doendo de fome. Em qual restaurante iria almoçar, pensou? Poderia ir ao restaurante do China, ou do Turco, comer um “sortido” , ou então esperar o Zé do Angu á baiana, que só chegava la´prás 7 horas da noite.
A boca encheu-se d’água e pensou: muito bom, muito bom mesmo! Poderia esperar, dava pra esperar! Aquele angú de milho bem cozido, regado com molho grosso, cheio de pedaços de bofe, cortadinhos em pedaços miúdos e outras fissuras bovinas. Matavaria a fome e, com aquela pimentinha malagueta, aqueceria o estômago e o coração.
8
Paulista esperava a sobra dos restaurantes e não tinha o seu problema. Para ela, "uma vida boa", para ele, não! Não se preocupava com a comida. Qualquer “lavagem” era banquete, comida de luxo...
Não queria acreditar mesmo nesse troço de azar. Não acreditava. Nunca seguiria o conselho de Teixeirinha, nunca!
Teixerinha, velho malandro , que nem estudante era e morava na casa, na "sombra" . Teixerinha, metido a poeta, escritor , cantor, com o violão na cacunda. Boa gente, figuraça mesmo, cheio de estórias das banda do Piauí e com um sonho na cabeça: tornar-se igual a Djavan , que andava pela Casa , antes da fama, dedilhando o violão.
Foi Teixerinha que sugeriu a ele freqüentar uma sessão de "macumba", para uma "limpeza espiritual." Não acreditava em feitiçaria, não acreditava em espíritos de pretos, índios, exus. Para ele era tudo igual. Teixeirinha concordava, morrendo de rir , tentando lhe fazer medo. Dizia que numa certa sessão lá na sua terra, baixou um tal de "caboclo mamador”! E o safado do pai de santo se aproveitou...se dera bem naquele dia. Dizia que nas macumbas de lá, o pai de santo cantava:
- Fui buscar bicho no mato e encontrei um veadinho. E as filhas de santo repetiam: “leva eu painho, leva eu painho!”
E, que Teixeirinha, para desmoralizar ainda mais a "macumba", dizia que elas cantavam:
-Come eu painho, come eu painho!
Pura sem-vergonhice. Não acreditava naqueles “espíritos”, por que lhe faltava um conhecimento mais profundo sobre o assunto. Na juventude fora kardecista e absorvera todo ranço e preconceito que os seguidores de Alan Kardec, nutrem pelos cultos afros-brasileiros, da mesma forma que os católicos diziam que “o Espiritismo e era uma fábrica de loucos”.
Nunca ouvira falar nada sobre Umbanda. O que seria a Umbanda? Haveria diferença entre Umbanda e macumba? O que seria Orixá? Existiram mesmo espiritos iluminados que vinham a terra na forma de Pai, Mãe, Pretos, Indios, Indús. Tinha vontade de pesquisar sobre esse tema para ter pensamento próprio, que não fosse o eco do preconceito religioso kardecista, dos católicos apostólicos romanos ou dos protestantes, que viam demonios em tudo e a tudo queriam queimar ou amarrar!
Não negava: tinha certa atração por esse mistério. Uma inquietude sobre o tema, pois nunca esquecera a predição de uma paranormal de sua terra, D. Maria Grande, que lhe disse antes dele viajar para o Rio:
- Meu filho não vá pra Macumba não! Não vá!
O que ela, a vidente, que aconselhava sua tia, teria visto? Uma coisa não negava: toda sexta-feira ia com o Alemão, para o aterro do Flamengo, beber cachaça dos despachos, fumar charuto do bom, e ainda levava de sobra, carteiras e carteiras de cigarros, deixados pelos devotos e seguidores da macumba, para as Pomba-Giras e outros Orixás. Copos, centena de copos, e restos de velas de todas as cores. Eles recolhiam tudo, na manha seguinte, espalhados na areia da praia pelo mar.
Alemão, um tipo inesquecível, também: Bigodinho “a Hitler”, e um livro surrado, na mão: “Mein Kampf “(Minha Vida), a bíblia de Adolfo Hitler. Ele, o “nazista” mais humanitário que conheceu. Na verdade, de nazista não tinha nada! Alemão era amigo leal, solidário, prestativo. Preguiçoso sim! Achava que “filósofo” não precisava trabalhar. Era o morador mais velho na idade e (antigo) da Casa.
Alemão era culto, poliglota, versado em Latim, doido por um cafezinho ou por uma “beer”. Fã de chope gelado , chucrutes , polenta e ardente torcedor do Mengo! O papa-goiaba mais amável que conheceu naqueles anos de dor e sofrimentos. Ele, mendigo em estado de alma, desapegado dos bens materiais. Dizia-se ateu, mas sempre teve dúvidas sobre isso...
Com ele conheceu a Lapa, os inferninhos da Avenida Rio Branco, os cabarés da Praça Mauá...e a velha Zona! E na sexta-feira era coisa certa: beber cachaça nos despachos do Aterro do Flamengo. Foi ele que o apresentou Chico Asa Baixa. Chico Asa Baixa que matou, mas ninguém acreditava!
Teixeirinha dizia que todo aquele sofrimento dele era “peia de caboclo”, feitiço, pois estavam acostumamos a profanar a crença dos outros. Seria “peia de santo” mesmo? Só sabia que as coisas não andavam bem pra ele, consumido dia e noite por aquela idéia fixa: Chico Asa Baixa morreu, eu o matei.
O negócio agora era esperar a noite que logo chegaria. “À noite onde todos os gatos são pardos”, como dizia sua mãe.. Dessas lembranças uma fixou na memória. A coisa mais linda que os olhos já viram:
-A visão noturna do Aterro do Flamengo, nas sextas-feiras!
Atravessava a Praça Paris, correndo entre os carros, só para ver ,em toda área do aterro, milhares de velas acesas, queimando, cintilando, como um céu estrelado no chão!
Não queria acreditar mesmo nesse troço de azar. Não acreditava. Nunca seguiria o conselho de Teixeirinha, nunca!
Teixerinha, velho malandro , que nem estudante era e morava na casa, na "sombra" . Teixerinha, metido a poeta, escritor , cantor, com o violão na cacunda. Boa gente, figuraça mesmo, cheio de estórias das banda do Piauí e com um sonho na cabeça: tornar-se igual a Djavan , que andava pela Casa , antes da fama, dedilhando o violão.
Foi Teixerinha que sugeriu a ele freqüentar uma sessão de "macumba", para uma "limpeza espiritual." Não acreditava em feitiçaria, não acreditava em espíritos de pretos, índios, exus. Para ele era tudo igual. Teixeirinha concordava, morrendo de rir , tentando lhe fazer medo. Dizia que numa certa sessão lá na sua terra, baixou um tal de "caboclo mamador”! E o safado do pai de santo se aproveitou...se dera bem naquele dia. Dizia que nas macumbas de lá, o pai de santo cantava:
- Fui buscar bicho no mato e encontrei um veadinho. E as filhas de santo repetiam: “leva eu painho, leva eu painho!”
E, que Teixeirinha, para desmoralizar ainda mais a "macumba", dizia que elas cantavam:
-Come eu painho, come eu painho!
Pura sem-vergonhice. Não acreditava naqueles “espíritos”, por que lhe faltava um conhecimento mais profundo sobre o assunto. Na juventude fora kardecista e absorvera todo ranço e preconceito que os seguidores de Alan Kardec, nutrem pelos cultos afros-brasileiros, da mesma forma que os católicos diziam que “o Espiritismo e era uma fábrica de loucos”.
Nunca ouvira falar nada sobre Umbanda. O que seria a Umbanda? Haveria diferença entre Umbanda e macumba? O que seria Orixá? Existiram mesmo espiritos iluminados que vinham a terra na forma de Pai, Mãe, Pretos, Indios, Indús. Tinha vontade de pesquisar sobre esse tema para ter pensamento próprio, que não fosse o eco do preconceito religioso kardecista, dos católicos apostólicos romanos ou dos protestantes, que viam demonios em tudo e a tudo queriam queimar ou amarrar!
Não negava: tinha certa atração por esse mistério. Uma inquietude sobre o tema, pois nunca esquecera a predição de uma paranormal de sua terra, D. Maria Grande, que lhe disse antes dele viajar para o Rio:
- Meu filho não vá pra Macumba não! Não vá!
O que ela, a vidente, que aconselhava sua tia, teria visto? Uma coisa não negava: toda sexta-feira ia com o Alemão, para o aterro do Flamengo, beber cachaça dos despachos, fumar charuto do bom, e ainda levava de sobra, carteiras e carteiras de cigarros, deixados pelos devotos e seguidores da macumba, para as Pomba-Giras e outros Orixás. Copos, centena de copos, e restos de velas de todas as cores. Eles recolhiam tudo, na manha seguinte, espalhados na areia da praia pelo mar.
Alemão, um tipo inesquecível, também: Bigodinho “a Hitler”, e um livro surrado, na mão: “Mein Kampf “(Minha Vida), a bíblia de Adolfo Hitler. Ele, o “nazista” mais humanitário que conheceu. Na verdade, de nazista não tinha nada! Alemão era amigo leal, solidário, prestativo. Preguiçoso sim! Achava que “filósofo” não precisava trabalhar. Era o morador mais velho na idade e (antigo) da Casa.
Alemão era culto, poliglota, versado em Latim, doido por um cafezinho ou por uma “beer”. Fã de chope gelado , chucrutes , polenta e ardente torcedor do Mengo! O papa-goiaba mais amável que conheceu naqueles anos de dor e sofrimentos. Ele, mendigo em estado de alma, desapegado dos bens materiais. Dizia-se ateu, mas sempre teve dúvidas sobre isso...
Com ele conheceu a Lapa, os inferninhos da Avenida Rio Branco, os cabarés da Praça Mauá...e a velha Zona! E na sexta-feira era coisa certa: beber cachaça nos despachos do Aterro do Flamengo. Foi ele que o apresentou Chico Asa Baixa. Chico Asa Baixa que matou, mas ninguém acreditava!
Teixeirinha dizia que todo aquele sofrimento dele era “peia de caboclo”, feitiço, pois estavam acostumamos a profanar a crença dos outros. Seria “peia de santo” mesmo? Só sabia que as coisas não andavam bem pra ele, consumido dia e noite por aquela idéia fixa: Chico Asa Baixa morreu, eu o matei.
O negócio agora era esperar a noite que logo chegaria. “À noite onde todos os gatos são pardos”, como dizia sua mãe.. Dessas lembranças uma fixou na memória. A coisa mais linda que os olhos já viram:
-A visão noturna do Aterro do Flamengo, nas sextas-feiras!
Atravessava a Praça Paris, correndo entre os carros, só para ver ,em toda área do aterro, milhares de velas acesas, queimando, cintilando, como um céu estrelado no chão!
9
Desceu novamente rumo aos Arcos. O vento forte sacudindo a chuva no rosto. O frio, a fome, a umidade ferindo os pés, encharcando os sapatos. Deixou-se molhar sem nenhum protesto, sem constrangimento. Pela primeira vez na vida não tinha pressa, não queria chegar a lugar algum. Nada mais o preocupava, só a paz dos pingos d’água ,cantando em seus ouvidos uma canção que sabia de cor e salteado: “Morre Chico Asa Baixa!” Na esquina alguém gritou de repente:
-Quer morrer atropelado, filho da puta!
Tomado de sobressalto, respirou profundo, sentiu calafrios. O silêncio a resposta. Centelha de ódio fulminando o cérebro, fulminando. Por que não lhe deixavam em paz, por quê? Por que o perseguiam até nos dias de chuva? Sentiu que ia cair. Leve tontura lhe anuviou os olhos. Os pés fincaram no chão molhado tentando resistir à queda.
Quando abriu os olhos ja era manhã, outra manhã. O céu estava cheio de balões, haviam rosas de todas as cores por todos os lados. Crianças, dezenas de crianças, soltando fogos de artifício. Tinha certeza que não eram as crianças da Lapa, magras, sujas, maltrapilhas.
Olhou em volta e deu conta que estava caído dentro de uma poça d’água. Não entendeu o sentido da visão, nem porque os jornais estampavam sua foto na primeira página.
Existiriam motivos para rancores? Lembrou da fome e da hora. Talvez o restaurante do China já estivesse aberto. Lembrou do avô, um velho embarcadiço, que viajara o mundo todo, na Marinha Mercante, que se orgulhava de ter montado a torre da primeira estação de rádio de sua terra natal e que ficou cego, ainda moço, por causa do glaucoma.
O Velho do Mar dizia que era filho de portugueses, e que seu pai castigava os sete filhos, todos de uma só vez , amarrados num coqueiro, só pra ”ninguém zombar um do outro”. E a surra era de “pimba” de boi!
O Velho do Mar não queria que ele fosse morar no Rio. “Aquilo era terra de doido e só se comia frio”. Mas, mesmo assim, foi enfrentar o seu destino. Mandou a transferência da faculdade por Mestre Alcides, um professor amigo, que estava se transferindo para a Guanabara. Em seguida, rumou, num vôo do CAN, para o Rio de Janeiro, com uma mala antiga de papelão e uns cruzeiros no bolso, que um amigo lhe emprestou. Não se esquecia das ultimas palavras que ouvira do Velho do Mar:
- Quando eu morrer quero que derramem um vidro de perfume sobre mim e coloquem uma
rosa vermelha no meu peito! E, em seguida, se despediu do neto. Sabia que não o veria mais nessa vida... Nunca mais, sabia!
Um dia, caminhando pela Lapa, no ruge-ruge da Cinelândia, sentiu um forte cheiro de perfume que lhe invadiu as narinas. Depois um cheiro de rosas tomou conta de tudo. No mesmo dia recebeu um telegrama informando que o Velho do Mar havia morrido, e que um irmão se encarregara de cumprir seus últimos desejos.
-Existiria mesmo vida após a morte como aprendera nos livros de Allan Kardec? O Velho do Mar teria arranjado um modo de lhe dar a noticia de sua “passagem”, na mesma hora? Ou seria paranormal, médium, como diziam os kardecistas? Tanto questionamento fervilhando na cabeça, a Lapa moribunda fritando seus miolos e, ainda por cima de tudo, aquela idéia que não lhe saia da mente: matei Chico Asa Baixa, matei!
-Quer morrer atropelado, filho da puta!
Tomado de sobressalto, respirou profundo, sentiu calafrios. O silêncio a resposta. Centelha de ódio fulminando o cérebro, fulminando. Por que não lhe deixavam em paz, por quê? Por que o perseguiam até nos dias de chuva? Sentiu que ia cair. Leve tontura lhe anuviou os olhos. Os pés fincaram no chão molhado tentando resistir à queda.
Quando abriu os olhos ja era manhã, outra manhã. O céu estava cheio de balões, haviam rosas de todas as cores por todos os lados. Crianças, dezenas de crianças, soltando fogos de artifício. Tinha certeza que não eram as crianças da Lapa, magras, sujas, maltrapilhas.
Olhou em volta e deu conta que estava caído dentro de uma poça d’água. Não entendeu o sentido da visão, nem porque os jornais estampavam sua foto na primeira página.
Existiriam motivos para rancores? Lembrou da fome e da hora. Talvez o restaurante do China já estivesse aberto. Lembrou do avô, um velho embarcadiço, que viajara o mundo todo, na Marinha Mercante, que se orgulhava de ter montado a torre da primeira estação de rádio de sua terra natal e que ficou cego, ainda moço, por causa do glaucoma.
O Velho do Mar dizia que era filho de portugueses, e que seu pai castigava os sete filhos, todos de uma só vez , amarrados num coqueiro, só pra ”ninguém zombar um do outro”. E a surra era de “pimba” de boi!
O Velho do Mar não queria que ele fosse morar no Rio. “Aquilo era terra de doido e só se comia frio”. Mas, mesmo assim, foi enfrentar o seu destino. Mandou a transferência da faculdade por Mestre Alcides, um professor amigo, que estava se transferindo para a Guanabara. Em seguida, rumou, num vôo do CAN, para o Rio de Janeiro, com uma mala antiga de papelão e uns cruzeiros no bolso, que um amigo lhe emprestou. Não se esquecia das ultimas palavras que ouvira do Velho do Mar:
- Quando eu morrer quero que derramem um vidro de perfume sobre mim e coloquem uma
rosa vermelha no meu peito! E, em seguida, se despediu do neto. Sabia que não o veria mais nessa vida... Nunca mais, sabia!
Um dia, caminhando pela Lapa, no ruge-ruge da Cinelândia, sentiu um forte cheiro de perfume que lhe invadiu as narinas. Depois um cheiro de rosas tomou conta de tudo. No mesmo dia recebeu um telegrama informando que o Velho do Mar havia morrido, e que um irmão se encarregara de cumprir seus últimos desejos.
-Existiria mesmo vida após a morte como aprendera nos livros de Allan Kardec? O Velho do Mar teria arranjado um modo de lhe dar a noticia de sua “passagem”, na mesma hora? Ou seria paranormal, médium, como diziam os kardecistas? Tanto questionamento fervilhando na cabeça, a Lapa moribunda fritando seus miolos e, ainda por cima de tudo, aquela idéia que não lhe saia da mente: matei Chico Asa Baixa, matei!
10
Lembrou que os anos sessenta, que o colocaram naquela nova vida, se é que podiam ser chamados assim, terminam cheios de solidão. Muitos sonhos tinham sido sepultados na velha Lapa. O jornal que ajudara a criar, logo no inicio da década de 70, terminou. Mestre Louza lutava em Brasília para conseguir recursos e não conseguia. Segundo ele, em carta ao velho amigo. “o ano setenta não tinha sido nada fácil mesmo!”
A nova década se iniciava com conflitos políticos mais intensos, perseguições e mortes. Não havia liberdade no País, muito menos na velha Lapa. Quem “mijava fora do caco”, quem pensava livremente, era jogado no alto mar ou preso em masmorras fétidas do Dops. “Fixado como comunista” e uma vida em desassossego, sem prestígio, sem nada, sem vontade própria ou direito de viver livremente. Viu um estudante ser morto, numa passeata, em dia de tumultos, bombas de efeito moral, gás lacrimogêneo e tiros de metralhadora. O Rio era praça de guerra, o restaurante do Calabouço estava fechado e o prédio do MEC, o alvo de piquetes.
A cavalaria marchava pela Avenida Rio Branco, rumo a Cinelândia, e os soldados de sabre em punho e cassetetes na mão, não poupavam ninguém. Ele mesmo escapou de morrer, porque um amigo o puxou para trás de uma mureta, em frente ao prédio da Assembléia. Mas o óculo de grau caiu no chão e foi pisado pelos cavalos. A nuvem de gás lacrimogêneo ardia nos olhos como fogo. Não dava pra ver nada no fumaceiro. O jeito, banhar os olhos com água ou umedecê-los com um pano molhado.
Naquele dia houve muitas baixas. Os corpos eram jogados em rabecões como gado ferido e havia mortos, também. Muito jornalista ficou ferido com estilhaços de bombas. No saguão da Assembléia o corpo do mártir foi velado e pranteado como herói. Não esquecia aquele filete de sangue descendo da ferida, no peito esquerdo, em cima do coração, e o olhar perdido, como se lembrasse , ainda, da ultima visão. Lembrava a foto de Che também assassinado.
O que lhe restava, senão as ruas com seu calor, mesmo que fizesse frio e a fome lhe cortasse as entranhas? Droga lhe ofereceram, mas nunca quis! A velha cachaça companheira da juventude, acalentadora de sonhos pueris, sim! Santa água-ardente que bebia de graça no Aterro do Flamengo, nos “despachos” da sexta-feira, e que fizera estoque na Casa, para os dias frios de inverno. Elixir da vida que juntava mendigos como ele, iguais a ele, em rodas amenas de sonhos sem fim. Como cobras, dormiam uns sobre os outros, para não morrer de frio.
Sentia-se amordaçado, sem voz, com medo de ser preso, caso desagradasse os “milicos”, um termo bastante usado por mestre Louza, naqueles anos de sonhos e ilusões. Uma coisa mestre Louza conseguira: a fundação do Sindicato dos Escritores, e só! Em Brasília a família o estrangulava lhe sugava tudo como mata-borrão. Da Asa Sul foi morar em Taguatinga e, em seguida, não suportando mais a dor, largou tudo e veio para São Paulo.
Lembrava de Mestre Louza, que deixara tudo mesmo, ate um jornal de grande circulação na cidade, parta lutar por um ideal. Sem dinheiro no bolso, mas sem largar a pose de jornalista e escritor renomado, seguia em frente. Cabelo em linha , às custas da velha “brilhantina”, paletó engomado. Almoçava nos melhores restaurantes da Lapa, pagando o que não podia e, que mais tarde ia lhe faltar, quando o dinheiro acabasse.
Ai o jeito mesmo, seria recorrer à pensão da Tia (Zia), italiana gorda, com um “rabo enorme”, mas com uma “mão de fada”, na cozinha. Sua “pasta” com molho de tomate, ou um espaguete com carne moída, custava quase nada. Assim, ele e Mestre Louza, já sem a brilhantina no cabelo, esperavam Mestre Assis, debaixo da Rua dos Arcos, ao meio dia. Iam todos filar a bóia na pensão da Tia, que ficava numa ruela sem saída,pro lado do morro, no alto de uma escada de madeira, sem fim.
A nova década se iniciava com conflitos políticos mais intensos, perseguições e mortes. Não havia liberdade no País, muito menos na velha Lapa. Quem “mijava fora do caco”, quem pensava livremente, era jogado no alto mar ou preso em masmorras fétidas do Dops. “Fixado como comunista” e uma vida em desassossego, sem prestígio, sem nada, sem vontade própria ou direito de viver livremente. Viu um estudante ser morto, numa passeata, em dia de tumultos, bombas de efeito moral, gás lacrimogêneo e tiros de metralhadora. O Rio era praça de guerra, o restaurante do Calabouço estava fechado e o prédio do MEC, o alvo de piquetes.
A cavalaria marchava pela Avenida Rio Branco, rumo a Cinelândia, e os soldados de sabre em punho e cassetetes na mão, não poupavam ninguém. Ele mesmo escapou de morrer, porque um amigo o puxou para trás de uma mureta, em frente ao prédio da Assembléia. Mas o óculo de grau caiu no chão e foi pisado pelos cavalos. A nuvem de gás lacrimogêneo ardia nos olhos como fogo. Não dava pra ver nada no fumaceiro. O jeito, banhar os olhos com água ou umedecê-los com um pano molhado.
Naquele dia houve muitas baixas. Os corpos eram jogados em rabecões como gado ferido e havia mortos, também. Muito jornalista ficou ferido com estilhaços de bombas. No saguão da Assembléia o corpo do mártir foi velado e pranteado como herói. Não esquecia aquele filete de sangue descendo da ferida, no peito esquerdo, em cima do coração, e o olhar perdido, como se lembrasse , ainda, da ultima visão. Lembrava a foto de Che também assassinado.
O que lhe restava, senão as ruas com seu calor, mesmo que fizesse frio e a fome lhe cortasse as entranhas? Droga lhe ofereceram, mas nunca quis! A velha cachaça companheira da juventude, acalentadora de sonhos pueris, sim! Santa água-ardente que bebia de graça no Aterro do Flamengo, nos “despachos” da sexta-feira, e que fizera estoque na Casa, para os dias frios de inverno. Elixir da vida que juntava mendigos como ele, iguais a ele, em rodas amenas de sonhos sem fim. Como cobras, dormiam uns sobre os outros, para não morrer de frio.
Sentia-se amordaçado, sem voz, com medo de ser preso, caso desagradasse os “milicos”, um termo bastante usado por mestre Louza, naqueles anos de sonhos e ilusões. Uma coisa mestre Louza conseguira: a fundação do Sindicato dos Escritores, e só! Em Brasília a família o estrangulava lhe sugava tudo como mata-borrão. Da Asa Sul foi morar em Taguatinga e, em seguida, não suportando mais a dor, largou tudo e veio para São Paulo.
Lembrava de Mestre Louza, que deixara tudo mesmo, ate um jornal de grande circulação na cidade, parta lutar por um ideal. Sem dinheiro no bolso, mas sem largar a pose de jornalista e escritor renomado, seguia em frente. Cabelo em linha , às custas da velha “brilhantina”, paletó engomado. Almoçava nos melhores restaurantes da Lapa, pagando o que não podia e, que mais tarde ia lhe faltar, quando o dinheiro acabasse.
Ai o jeito mesmo, seria recorrer à pensão da Tia (Zia), italiana gorda, com um “rabo enorme”, mas com uma “mão de fada”, na cozinha. Sua “pasta” com molho de tomate, ou um espaguete com carne moída, custava quase nada. Assim, ele e Mestre Louza, já sem a brilhantina no cabelo, esperavam Mestre Assis, debaixo da Rua dos Arcos, ao meio dia. Iam todos filar a bóia na pensão da Tia, que ficava numa ruela sem saída,pro lado do morro, no alto de uma escada de madeira, sem fim.
11
Ali comiam os humildes, os que não tinham muito para sobreviver, porque de tudo se fazia para não morrer de fome, na velha Lapa. Ele bebia a “sopa de entulho” que Mestre Assis deixava de lado.
Sopa gostosa, cheia de repolho, batatas, cenouras cortadas em pedaços grandes, bem cozidos, quase esfarelando; nabos e feijão branco, um aqui outro acolá. Mestre Assis não gostava da sopa. Dizia lhe encher de “gases”, mas ele devorava tudo : a do Mestre Assis e a do Mestre Louza, com a maior “cara-de-pau”. Eles diziam, para lhe gozar, “que ele tinha fome atávica”...
Lembrava do tempo em que abandonara a Lapa para morar em Santa Tereza, na casa de Mestre Louza, no começo de tudo. Repartia o sótão com João, outro afilhado do Mestre , a quem se afeiçoou bastante, como a um irmão, naqueles anos de solidão. Momentaneamente, esquecera o ódio que tinha por Chico Asa Baixa, a Casa cheirando a mofo, os quartos empilhados de argentinos, chilenos, paulistas e nordestinos do Piauí, Ceará e Maranhão.
Pensou no dia que chegara ali, depois de dois dias viajando, penando, num velho D45, caindo aos pedaços, que fizera escalas no Recife e Brasília, antes de pousar no Rio. Da pia do avião, para ele cheia de água, mas que na verdade, era só de urina. Do sorriso afetuoso do Mestre Alcides, um “vara-pau”, magro, comprido mesmo, cheio de medos, superstições, de poesias na cabeça, planos de romances e que lhe deu pousada provisória, a despeito da má vontade de Filó, sua mulher...
Da primeira noite em que dormiu num “cortiço”, com outro companheiro do destino: João Divino, num quartinho tão pequeno que não caberia quatro pessoas... Mas ali dormiram dez, espalhados em beliches e, em colchões pelo chão, no espaço que sobrava entre cada uma das camas.
- Outro dia!
Disse quando o sol raiou entre as brumas frias, naquela primeira manhã, depois que chegara ao Rio. Esgueirando-se por ruelas da velha Lapa, chegou com João Divino à Casa dos Estudantes, na Rua Visconde de Maranguape, procurando outro nordestino que ali morava, de nome Olavo.
Da porta víamos a imponência dos Arcos, um dos cartões postais da Lapa e os primeiros mendigos lhe chamaram a atenção. Nunca tinha visto tanto mendigo assim reunido, no mesmo lugar. Tanto carro, tanta gente, que mais lembrava manadas de boi no sertão.
-Olavo sou eu! Disse, com a voz “afetada”, com trejeitos femininos, o nordestino que procuravam. E, em seguida:
- Mais dois “calipijas” que vem do Nordeste, da terra seca dos mandacarus, para sofrer no Rio!
Não sei se tinha nos jogado uma praga, mas muito do que disse se concretizou. Mas, nem tudo foi dor naqueles dias, enquanto houve esperança. Sonhos que se concretizam ou não, estavam traçados no destino cármico de cada um, só para falar numa linguagem cardecista.
Nessa época ainda não conhecia Chico Asa Baixa, suas mentiras e auto-afirmações. Nem o cheio fedido do seu quarto, escuro, sujo mesmo, envolto em lençóis que foram brancos e que há muito tinham perdido a cor, pois nunca foram lavados. Ali ele passava quase o dia inteiro dormindo. Só acordava altas horas da noite. Fumava um cigarro atrás do outro e descia para comer alguma coisa na leiteria Bol.
Diziam que da faculdade tinha sido “jubilado”. Verdade ou não, ninguém acreditava em suas intenções “políticas” e, desconfiávamos que fosse mesmo, o marxista que dizia ser, dormindo daquele jeito. Corria um “zum-zum-zum”, nos quartos e corredores, que ele era do “Dops” e que se mantinha na Casa, por ser “alcagüete”. Ganhava para dormir o dia inteiro, e ainda “dedava” os colegas em troca de trinta moedas? Judas, Judas, sim, esse Chico Asa Baixai!
Sopa gostosa, cheia de repolho, batatas, cenouras cortadas em pedaços grandes, bem cozidos, quase esfarelando; nabos e feijão branco, um aqui outro acolá. Mestre Assis não gostava da sopa. Dizia lhe encher de “gases”, mas ele devorava tudo : a do Mestre Assis e a do Mestre Louza, com a maior “cara-de-pau”. Eles diziam, para lhe gozar, “que ele tinha fome atávica”...
Lembrava do tempo em que abandonara a Lapa para morar em Santa Tereza, na casa de Mestre Louza, no começo de tudo. Repartia o sótão com João, outro afilhado do Mestre , a quem se afeiçoou bastante, como a um irmão, naqueles anos de solidão. Momentaneamente, esquecera o ódio que tinha por Chico Asa Baixa, a Casa cheirando a mofo, os quartos empilhados de argentinos, chilenos, paulistas e nordestinos do Piauí, Ceará e Maranhão.
Pensou no dia que chegara ali, depois de dois dias viajando, penando, num velho D45, caindo aos pedaços, que fizera escalas no Recife e Brasília, antes de pousar no Rio. Da pia do avião, para ele cheia de água, mas que na verdade, era só de urina. Do sorriso afetuoso do Mestre Alcides, um “vara-pau”, magro, comprido mesmo, cheio de medos, superstições, de poesias na cabeça, planos de romances e que lhe deu pousada provisória, a despeito da má vontade de Filó, sua mulher...
Da primeira noite em que dormiu num “cortiço”, com outro companheiro do destino: João Divino, num quartinho tão pequeno que não caberia quatro pessoas... Mas ali dormiram dez, espalhados em beliches e, em colchões pelo chão, no espaço que sobrava entre cada uma das camas.
- Outro dia!
Disse quando o sol raiou entre as brumas frias, naquela primeira manhã, depois que chegara ao Rio. Esgueirando-se por ruelas da velha Lapa, chegou com João Divino à Casa dos Estudantes, na Rua Visconde de Maranguape, procurando outro nordestino que ali morava, de nome Olavo.
Da porta víamos a imponência dos Arcos, um dos cartões postais da Lapa e os primeiros mendigos lhe chamaram a atenção. Nunca tinha visto tanto mendigo assim reunido, no mesmo lugar. Tanto carro, tanta gente, que mais lembrava manadas de boi no sertão.
-Olavo sou eu! Disse, com a voz “afetada”, com trejeitos femininos, o nordestino que procuravam. E, em seguida:
- Mais dois “calipijas” que vem do Nordeste, da terra seca dos mandacarus, para sofrer no Rio!
Não sei se tinha nos jogado uma praga, mas muito do que disse se concretizou. Mas, nem tudo foi dor naqueles dias, enquanto houve esperança. Sonhos que se concretizam ou não, estavam traçados no destino cármico de cada um, só para falar numa linguagem cardecista.
Nessa época ainda não conhecia Chico Asa Baixa, suas mentiras e auto-afirmações. Nem o cheio fedido do seu quarto, escuro, sujo mesmo, envolto em lençóis que foram brancos e que há muito tinham perdido a cor, pois nunca foram lavados. Ali ele passava quase o dia inteiro dormindo. Só acordava altas horas da noite. Fumava um cigarro atrás do outro e descia para comer alguma coisa na leiteria Bol.
Diziam que da faculdade tinha sido “jubilado”. Verdade ou não, ninguém acreditava em suas intenções “políticas” e, desconfiávamos que fosse mesmo, o marxista que dizia ser, dormindo daquele jeito. Corria um “zum-zum-zum”, nos quartos e corredores, que ele era do “Dops” e que se mantinha na Casa, por ser “alcagüete”. Ganhava para dormir o dia inteiro, e ainda “dedava” os colegas em troca de trinta moedas? Judas, Judas, sim, esse Chico Asa Baixai!
12
Muitos sonhos não se concretizaram mesmo, nem seus pendores por Ivete, que almoçava uma maça verde para não perder a forma, não engordar um quilinho só. Ou a paixão de Arlete, que cansada de tudo, resolvera lhe tentar, e que, também, fora abandonada pela vida e pela sorte. Marieta, traída pelo marido , deu um "flagra" e uma surra , nos dois pombinhos, com um guarda- chuva, que ficou aos pedaços. Dai para frente dormiam em quartos separados e ele, o traidor, não saia de casa , pois adorava as duas filhas! Dizia amar a mulher, mas ela não acreditava mais.
Queria se vingar do marido e, aos domingos , quando da visita do amigo, ela fazia de tudo para lhe agradar . Preparava feijoadas, rabadas com batatas e agrião, galinha ao molho pardo. Comidas bem nordestinas para ele, que fingia não entender nada. Um dia, não agüentando mais, ela contou sua estória e se declarou, agarrando-o na sala. Ai nunca mais ele foi lá. Afinal ela era ainda, mulher de um amigo e não era afeito a traições. E as palavras de Chico Asa Baixa que, tambem não lhe saiam da cabeça? “O homem não pode mesmo viver sem amor”, podia ate passar sem o pão, sem o teto, mas sem amor, não!
Nesses últimos anos de solidão já não acreditava em mais nada. Tinha se perdido nas ruelas da Lapa. Mestre Louza estava mais famoso. Agora, lançava novos livros e era o homem especialista em crimes e bandidos famosos. Casara de novo, desta feita com moça rica, herdeira de cafezais no Espírito Santo.
Mestre Assis debandara para os lados de Itaboraí, onde comprou um sitio e passava os fins de semana falando , bebendo, respirando literatura, criando personagens e seus livros iam de “vento em popa”! João Divino morava pras bandas de Niterói, era professor universitário, e sonhava com átomos e partículas “PI”. Quem sabe não iria aos “States” fazer um doutorado? Esse era o sonho, mesmo que tivesse que trocar a “doce amada”, por ele, como o fez no passado, trocando o jornalismo pela física.
Só ele, solitário, maltrapilho adotara os mendigos da Lapa como seus irmãos. Em meio a tantas lembranças, pensamentos que não saiam da cabeça, lembrou: qual seria o significado de sua visão? As crianças, as rosas, os balões subindo ao céu? E sua foto na primeira página dos jornais?
Não podia esquecer o dia em que a policia invadiu a Casa e que só se ouvia o barulho de livros caindo pela lixeira abaixo, do quarto andar ao térreo. Na manhã seguinte, passado o sufoco daquele “dia de cão”, de guerra, pilhas de livros inutilizados no lixo: “Conceito Marxista do Homem”, “Meu amigo Che” e tantas outras obras com tendência de esquerda ou não, que eram proibidas pelos milicos.
É verdade: os milicos só não perseguiam mendigos como ele. Quem daria ouvidos aquela ralé da qual fazia parte? Mas nunca esqueceu o sonho e ser jornalista ou escritor... Dava pra sentir que a dor , a solidão, fome, miséria, o fizeram assim, fosse “peia de caboclo ou não”, como queria Teixeirinha.
Ouvira falar de muitos homens formados em faculdade, que deixaram tudo e “viraram mendigos”... João Divino uma vez, de porre, expressou esse desejo, num momento de depressão. Só que o destino lhe sorriu melhor. Mandou buscar os pais para morar com ele e matou a solidão nos braços da mulher amada. Vieram os filhos, novos sonhos e João Divino mudou!
Pra que lembrar dessas coisas que só traziam dor? No “dantesco” quadro da Lapa moribunda, não havia lugar para sonhadores ou esperança. Melhor procurar a pensão da Tia, (Zia) lembrar do Mestre Louza, Mestre Assis, Mestre Alcides, João Divino, Alemão, e, sonhar com os dois pratos de sopa de “entulho”..., que o dinheiro agora, só daria pra pagar um. Depois um belo prato de “pasta”, ao molho de tomate.
É... a sopa de “entulho”, que tinha de tudo um pouco, era parecida com o “Arroz de Jaçanã”, que Mestre Assis ensinava a fazer: matava a fome mesmo! Só receava uma coisa:
-Será que Chico Asa Baixa não estaria lá, com sua corja, com o velho casaco sujo, surrado, com um lado arrastando no chão?
Que nada, pensou! Desse medo poderia esquecer! Chico Asa Baixa estava morto, bem morto mesmo! A lixeira tinha sido seu sepulcro. As labaredas queimaram o corpo, caixão. Mas não havia nenhuma lápide dizendo: Aqui jaz Chico Asa Baixa!
Queria se vingar do marido e, aos domingos , quando da visita do amigo, ela fazia de tudo para lhe agradar . Preparava feijoadas, rabadas com batatas e agrião, galinha ao molho pardo. Comidas bem nordestinas para ele, que fingia não entender nada. Um dia, não agüentando mais, ela contou sua estória e se declarou, agarrando-o na sala. Ai nunca mais ele foi lá. Afinal ela era ainda, mulher de um amigo e não era afeito a traições. E as palavras de Chico Asa Baixa que, tambem não lhe saiam da cabeça? “O homem não pode mesmo viver sem amor”, podia ate passar sem o pão, sem o teto, mas sem amor, não!
Nesses últimos anos de solidão já não acreditava em mais nada. Tinha se perdido nas ruelas da Lapa. Mestre Louza estava mais famoso. Agora, lançava novos livros e era o homem especialista em crimes e bandidos famosos. Casara de novo, desta feita com moça rica, herdeira de cafezais no Espírito Santo.
Mestre Assis debandara para os lados de Itaboraí, onde comprou um sitio e passava os fins de semana falando , bebendo, respirando literatura, criando personagens e seus livros iam de “vento em popa”! João Divino morava pras bandas de Niterói, era professor universitário, e sonhava com átomos e partículas “PI”. Quem sabe não iria aos “States” fazer um doutorado? Esse era o sonho, mesmo que tivesse que trocar a “doce amada”, por ele, como o fez no passado, trocando o jornalismo pela física.
Só ele, solitário, maltrapilho adotara os mendigos da Lapa como seus irmãos. Em meio a tantas lembranças, pensamentos que não saiam da cabeça, lembrou: qual seria o significado de sua visão? As crianças, as rosas, os balões subindo ao céu? E sua foto na primeira página dos jornais?
Não podia esquecer o dia em que a policia invadiu a Casa e que só se ouvia o barulho de livros caindo pela lixeira abaixo, do quarto andar ao térreo. Na manhã seguinte, passado o sufoco daquele “dia de cão”, de guerra, pilhas de livros inutilizados no lixo: “Conceito Marxista do Homem”, “Meu amigo Che” e tantas outras obras com tendência de esquerda ou não, que eram proibidas pelos milicos.
É verdade: os milicos só não perseguiam mendigos como ele. Quem daria ouvidos aquela ralé da qual fazia parte? Mas nunca esqueceu o sonho e ser jornalista ou escritor... Dava pra sentir que a dor , a solidão, fome, miséria, o fizeram assim, fosse “peia de caboclo ou não”, como queria Teixeirinha.
Ouvira falar de muitos homens formados em faculdade, que deixaram tudo e “viraram mendigos”... João Divino uma vez, de porre, expressou esse desejo, num momento de depressão. Só que o destino lhe sorriu melhor. Mandou buscar os pais para morar com ele e matou a solidão nos braços da mulher amada. Vieram os filhos, novos sonhos e João Divino mudou!
Pra que lembrar dessas coisas que só traziam dor? No “dantesco” quadro da Lapa moribunda, não havia lugar para sonhadores ou esperança. Melhor procurar a pensão da Tia, (Zia) lembrar do Mestre Louza, Mestre Assis, Mestre Alcides, João Divino, Alemão, e, sonhar com os dois pratos de sopa de “entulho”..., que o dinheiro agora, só daria pra pagar um. Depois um belo prato de “pasta”, ao molho de tomate.
É... a sopa de “entulho”, que tinha de tudo um pouco, era parecida com o “Arroz de Jaçanã”, que Mestre Assis ensinava a fazer: matava a fome mesmo! Só receava uma coisa:
-Será que Chico Asa Baixa não estaria lá, com sua corja, com o velho casaco sujo, surrado, com um lado arrastando no chão?
Que nada, pensou! Desse medo poderia esquecer! Chico Asa Baixa estava morto, bem morto mesmo! A lixeira tinha sido seu sepulcro. As labaredas queimaram o corpo, caixão. Mas não havia nenhuma lápide dizendo: Aqui jaz Chico Asa Baixa!
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